3 de maio de 2024
Colunistas Walter Navarro

Balada do alienista alienado

Dizem que sou louco por pensar assim. E estas pessoas têm razão. Se todo mundo está certo, eu sempre estive errado e não percebia.
Como posso pensar assim, se a maioria pensa assado? Como pude ousar? Santa arrogância, Batman! Afinal, quem sou eu que não sabe com quem está falando?
Estava!
Dizem que Franz Kafka, Eugéne Ionesco, Salvador Dali, Albert Camus, Samuel Beckett, Alfred Jarry e até Machado de Assis querem processar o Brasil por plágio.
Mentira! Mesmo porque todos estão mortos. O Brasil, sim, deveria processar os herdeiros desta infâmia invejosa.
Por falar em herdeiros, peguemos meu ídolo e farol, Ruy Castro, na Folha de São Paulo. Sim, voltei a ler a Folha e O Globo. Porque, OK! Vocês venceram, batata frita! Yesssssssssssss! Ao vencedor as batatas!
Dia 19, Ruy escreveu no maior, mais sério e confiável jornal do Brasil: “Nos últimos quatro anos, asfixiado pela presença pestífera de Bolsonaro, pensei em me mandar do Brasil. O problema era para onde (…) mas o jogo, enfim, virou. Voltamos à vida real. Vou ficar. Mesmo porque os lugares que citei são os que agora devemos evitar. Estão abarrotados de malucos perigosos que vivem numa realidade paralela e só acreditam no que querem acreditar”.
Perfeito! Ruy é um gênio. Voltamos à vida como ela é. Não à toa ele escreve na Folha de São Paulo e eu sou jornalista de Facebook e WhatsApp. Como sequer discutir com tamanha autoridade?
Folha e Globo são nossos Granma, de Cuba e o Pravda soviético que, não à toa, em russo, quer dizer “Verdade”. O Jornal Nacional, ontem, estava uma delícia. Melhor, só o de hoje.
Merecidamente, Ruy Castro está milionário como o maior biógrafo do Brasil. Biógrafo é o cara que escreve sobre a vida dos mortos. Mortos não discutem e os ausentes nunca têm razão.
E se Ruy falou, escreveu, é lei. Eu também passei quatro anos, asfixiado pela pestilência de Bolsonaro e não sabia. O fujão já foi tarde. Fujão sim, porque quem não deve não treme, nem teme.
Concordo também com outro colunista da Folha, Conrado Hübner Mendes, que escreveu no mesmo dia 19: “Os Mal-Armados – Não reformar a instituição mais covarde do Estado será uma forma de anistia”.
Os mal-armados e covardes são o Exército, claro, estes criminosos da “intentona de 8 de janeiro”, cúmplices da “corrupção no governo de Jair Bolsonaro”.
Intentona sim, de golpistas, facínoras e terroristas. Ainda bem, graças a Deus, todos presos sumariamente: mulheres bomba, crianças bomba e velhos bomba. Atentado covarde e indecente ao Estado Democrático de Direito.
Como não concordar com este gênio? Hübner é imbroxável, mito! Doutor em Direito pela Universidade de Edimburgo; mestre e doutor em Ciência Política, pela Universidade de São Paulo; com pesquisas em universidades na Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos. Especialista em democracia e autoritarismo. Pica Grossa! Fodástico! Sabe tudo.
Apenas acho que Hübner não ouviu, um dia antes, 18, o comandante militar do Sudeste, general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva que, pelo jeito e discurso às tropas, é braço forte e mão amiga dos mesmos vencedores:
“Vamos continuar garantindo a nossa democracia, porque a democracia pressupõe liberdade; garantias individuais e públicas. E é o regime do povo, de alternância de poder. É o voto. E, quando a gente vota, tem de respeitar o resultado da urna”.
Está certíssimo o general! Vamos garantir esta democracia, guardiã da liberdade e das garantias individuais. Povo! Alternância de poder! Isso mesmo! É o voto! Vamos respeitar as urnas, porque se mostraram invioláveis e seguras. Assim, como as pesquisas, num show de coerência jamais visto na História deste país!
E quem contestar, eu prendo e arrebento. A começar pelo Bolsonaro, um reles capitão que ousou ser o Chefe Supremo de estrelados generais. No mais, voltando às urnas; voz do STF, voz do povo, voz de Deus.
Por falar em malucos perigosos que devem ser presos e arrebentados, voltemos a Machado de Assis, em sua obra prima, o conto, “O Alienista”.
Depois de conquistar respeito em sua carreira de médico na Europa e no Brasil, Dr. Simão Bacamarte retorna à terra-natal, a vila de Itaguaí.
Resolve dedicar-se aos estudos da psiquiatria e constrói um manicômio chamado Casa Verde para abrigar todos os loucos da cidade e região.
Em pouco tempo o local fica cheio, e ele vai ficando cada vez mais obcecado. No começo os internos eram realmente casos de loucura, mas em certo momento Dr. Bacamarte passou a enxergar loucura em todos e a internar pessoas que causavam espanto.
Agora vem a melhor parte.
Por fim, 75% da população da cidade encontram-se internados. O alienista, percebendo que estava errado, resolve libertar todos os internos e refazer sua teoria: se a maioria apresentava desvios de personalidade e não seguia um padrão, então louco era quem mantinha regularidade nas ações e possuía firmeza de caráter.
Após algum tempo, ele dá alta a todos e desenvolve uma nova teoria: como ninguém tinha uma personalidade perfeita, exceto ele próprio, o alienista conclui ser o único anormal e decide trancar-se sozinho na Casa Verde, falecendo poucos meses depois.
Boa noite a todes.

PS: Se eles são bonitos, sou Alain Delon. Se eles são famosos, sou Napoleão. Sim sou muito louco, mas vou me curar.

Walter Navarro, Itaguaí, 21 de janeiro de 2023

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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