28 de março de 2024
Yvonne Dimanche

Habilidades


Queridos leitores, já escrevi há muito tempo que nasci em uma rua paradisíaca no bairro de Botafogo. Até hoje ela é assim. O meu prédio de três andares, como também os demais igualmente pequenos e as casas antigas daquela rua ficam aos pés do Cristo Redentor. Então, por 17 anos fui uma pessoa privilegiada por estar de frente para tão nobre símbolo da cidade do Rio de Janeiro.
Sendo assim, com quatro anos de idade desenhei o Cristo. Nossa! UAU! Que maravilha! A Yvonne é uma artista tal qual o avô e o pai, disseram meus parentes. E eu, na singeleza da minha ingenuidade, achei que seria a próxima Picasso, sem saber quem ele era. Só que meu irmão tinha apenas dois anos no dia em que fui eleita a próxima grande artista plástica do século XX. Com muito menos de quatro anos, desenhou muito melhor do que eu e foi assim por toda a sua vida. Pena que ele não investiu em uma possível carreira. E eu descobri que a minha única genialidade foi ter desenhado o Cristo.
O tempo passou e mais uma vez tive que enfrentar desafios. Quis bordar. Minha mãe comprava uns paninhos brancos na feira para que eu aprendesse esse ofício. Os panos ficavam pretos e eu não conseguia fazer nada. Com 12 anos, a professora de Artes, sim sou jurássica e na minha época tinha isso, pediu para fazermos uma sandalinha que consistia no seguinte: fazer crochê, encaixar uma pequena pérola falsa em algumas carreirinhas. Feito isso, levar a um sapateiro para que ele fizesse a sola. Não consegui. Tirei 5 sem ter feito nada, apenas para não ser reprovada. Alguém conhece alguém que tenha repetido de ano por causa de Artes? Nem na minha época tão rigorosa e prussiana, nenhuma professora teria coragem de fazer algo do tipo.
Com 14 anos outro desafio, dessa vez do professor de Desenho Geométrico. O trabalho final era fazer um cartaz turístico, esse sim de desenho livre. Meu Deus! Eu iria terminar o Ginásio e seria dessa vez que eu ficaria reprovada? Bom, fui inteligente. Comprei uma cartolina azul, fiz uma linha reta do horizonte, pintei o mar com um azul mais forte, fiz um montinho de areia, uma jangada, um coqueiro e escrevi VISITE O CEARÁ em vermelho. Ganhei 10. O motivo é que tudo que eu fiz foi em sala de aula, ainda que o professor tenha sido camarada e deixado os alunos terminar em casa. Quem entregou desenhos mais maravilhosos do que eu tirou notas baixas. Ficou evidente que houve auxílio em casa.
Bom, acabei de me ridicularizar, mas agora vou citar as minhas habilidades. Não tenho a menor noção de espaço. Eu não sei quanto é um quilômetro, o que vem a ser um centímetro, mas se estou em um ambiente qualquer, eu sei perfeitamente bem se aquele armário cabe naquela parede. Tenho paixão pelos números, pela prova dos nove e até muito pouco tempo eu nunca precisei de agenda telefônica, pois eu sabia os números de telefone de todo mundo. O que me avacalhou foi a idade e esse monte de “noves” na frente dos números de celulares.
Eu não sei batucar, não consigo fazer um movimento com uma mão e outro completamente diferente com outra mão, mas sei cantar uma música para que alguém a identifique. Vejam bem, não estou dizendo que sou cantora afinada, ao contrário, mas quando canto “La La Ri La La La” as pessoas identificam que música é essa. Não sei o que comi ontem, mas quando digo que o filme tal foi feito em 1968 é porque ele foi feito nesse ano e não em 1967 ou 1969. Nos dias de hoje, o filme ou a música podem ser de 2004, mas não tenho a menor ideia se foi nesse ano ou não, visto a idade chegou, digo mais uma vez e para ser sincera, não há nada muito especial em termos culturais do que aconteceu nos últimos 10 anos. O mundo se tornou um tanto esquisito, de acordo com o meu julgamento.
O que mais sinto saudade da minha ex habilidade? É da Matemática, principalmente da Álgebra e Geometria Analítica. Sinto falta dos números, dos “x” e dos “y”, mas por outro lado, estou muito craque em palavras cruzadas e em uma brincadeira que se chama Logodesafio que sai diariamente no jornal O Globo. Queria ter sido artista plástica, mas não tenho nenhum pendor. Por outro lado, gosto muito de escrever e já pensei em um livro de crônicas, mas até agora não consegui. Quem sabe mais tarde?
Um lindo final de semana para todos e até o próximo Boletim.

O Boletim

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