18 de abril de 2024
Sergio Vaz

Não votou quem não quis

14620100_1151881918239520_409054304_nLuciana Amaral, do G1, em Brasília

Os brasileiros já praticam o voto facultativo. Maravilha!
É claro, é óbvio, é absolutamente inegável que foi muito elevado o número de brasileiros que preferiram não votar em ninguém, em partido algum, no primeiro turno das eleições municipais.
Os números do não-voto são claros, fortes, evidentes, falam por si.
Também é fato incontestável que os brasileiros não têm muitos motivos, na atual quadra da História, para confiar nos políticos, para demonstrar grande entusiasmo por este ou aquele partido. Isso é um axioma, um truísmo, uma afirmação que se comprova verdadeira por ela mesma – não cabe dúvida, discussão.
Muita gente, muitos analistas, entendidos, e mesmo políticos – a começar do presidente Michel Temer, em declaração na Quinta de Olivos, a residência oficial do presidente argentino, na região Norte de Buenos Aires – se apressou em concluir que é por causa da atual falta de confiança da população nos políticos que houve tamanha não participação nas eleições.
Que uma coisa levou à outra.
Que uma não existiria sem a outra.
Pois eu defendo que não é bem assim.
Não estou sozinho, é claro – naturalmente, há analistas, jornalistas, que expõem essa mesma tese.
O que houve no dia 2 de outubro foi simplesmente que boa parte do povo brasileiro exerceu o seu sagrado direito de não querer participar de eleição. Porque este direito é sagrado, líquido e certo.
Ninguém deveria ser obrigado a votar. Obrigar alguém a votar não é democrático.
Nas democracias firmes, sólidas, estabelecidas, maduras, ninguém é obrigado a votar. Vota quem quer.
Enquanto os nobres parlamentares não conseguem chegar a um mínimo de consenso para fazer a reforma da política, para mudar essa situação absolutamente viciada, carcomida, podre, que é o sistema político brasileiro hoje, enquanto a discussão de temas fundamentais como a cláusula de barreira e a instituição do voto facultativo não avança, o povo, muito mais sábio, e mais rápido, já implantou, na prática, o voto não obrigatório.
Muita gente que foi às urnas no domingo ainda o fez por obrigação. Mas um enorme contingente não foi porque não quis, porque entendia que não tinha que ir. Porque exerceu seu sagrado direito de não querer saber desse negócio de votar.
***
Os números. Um pouco dos números – repetindo, reprisando alguns dos números que já foram exaustivamente apresentados nos telejornais de domingo para cá, nos jornais de segunda e de terça.
Somando quem não compareceu aos locais de votação com os que votaram em branco com os que votaram nulo, temos que 43,14% dos eleitores registrados de Belo Horizonte não quiseram participar da grande festa da democracia.
No Rio de Janeiro, com aquelas praias todas, foram 42%. Em Porto Alegre, foram 38%. Em São Paulo, a maior cidade do país, quase 12 milhões de habitantes, cerca de 9 milhões de eleitores, foram também 38%.
Na média do país inteiro, 30% dos portadores de título de eleitor não quiseram – repito o chavão – participar da grande festa da democracia.
Agora, vem cá – o que é que ser obrigado a participar de festa tem a ver com democracia?
Barack Obama foi reeleito em 2012 para a Presidência dos Estados Unidos por ter 332 delegados garantidos por 65,9 milhões de votos populares. Seu oponente, Milt Romney, teve 206 delegados, por 60,9 milhões de votos. Somando todos os votos populares, incluindo os dos quatro partidos pequeninos, dá um total de 129,2 milhões de votos válidos.
Pois é: dentro de um total de 235,2 milhões de eleitores aptos a votar. É que o país tem 318 milhões de habitantes, mais de um Brasil e meio.
Barack Obama, em suma, foi reeleito sem a participação de 45,1% dos eleitores americanos. Nada menos de 45,1% dos eleitores fizeram como os 43,14% dos belo-horizontinos, ou 42% dos cariocas, ou 38% dos porto-alegrenses ou paulistanos: ou não foram votar, ou anularam, ou votaram em branco.
Não foi um fenômeno novo. Há muitas e muitas eleições presidenciais beira os 50% o número de eleitores que não votam.
Os brasileiros teoricamente são obrigados a votar – embora, na prática, seja bem fácil viajar para fora da cidade de cada um, enfrentar uma filinha e justificar o voto, ou então pagar uma multinha, que é leve.
Em suma: é hipocrisia pura. É Macunaíma.
O que temos na prática é que os brasileiros exercem o seu direito sagrado de não votar exatamente nas mesmas proporções dos americanos – que, é claro, podem votar ou não, porque a legislação de seu país é mais avançada, e portanto o voto lá é facultativo.
***
Sim, é uma questão de avanço, de evolução, de desenvolvimento.
Dos 15 países que têm as maiores economias do mundo, 14 têm voto facultativo. O Brasil é o único que tem voto obrigatório.
Nos EUA, na China, no Japão, Índia, Alemanha, Reino Unido, Rússia, França, Itália, México, Coréia do Sul, Espanha, Canadá e Indonésia, vota quem quer.
Vizinhos nossos na América Latina também têm voto obrigatório. Dos 24 países em que há voto obrigatório, 13 estão na América Latina. Coitadinhos de nós, neste pedacinho do planeta tão belo, de natureza tão rica, com tanta arte e engenho, e no entanto latrina do mundo.
Estavam na América Latina alguns dos últimos países do mundo a aceitar o direito ao divórcio, meu Deus do céu e também da terra!
Estão na América Latina alguns dos últimos países do mundo a não aceitar o direito ao aborto, o direito à morte digna.
Atraso é atraso – chega, se instala e demora demais para sair.
Às vezes o povo toma as rédeas e avança, mesmo que as leis não avancem.

O Boletim

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