26 de abril de 2024
Colunistas Mary Zaidan

Um país violentado

Bolsonaro banaliza, estimula e põe em curso violência ainda maior contra o Brasil.

O Brasil é um país violento, que se acostumou à violência. É o oitavo mais letal do mundo, mesmo com decréscimo de 6% aferido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2021. Registra números de guerra no Nordeste e no Norte – 35,5 e 33,5 homicídios por 100 mil habitantes -, quase 3 mil feminicídios e mais de 100 mil estupros denunciados no ano passado. Convive cotidianamente com agressões e assassinatos relacionados a raça e gênero, extermínio de índios, operações policiais desastradas, tiros a esmo que perfuram e matam crianças.

Diante de um quadro tão acachapante, a violência política, que só neste ano já fez 45 vítimas fatais, parece fichinha. Mas o crescimento dessa modalidade é alucinante: nada menos de 335% nos últimos três anos. Um indicador a mais na acelerada marcha de incivilidade do país.

Os dados do Observatório de Violência Política e Eleitoral da UniRio não deixam dúvidas quanto ao acirramento desse tipo de crime nos anos Jair Bolsonaro. Assim como os coletados pela Associação de Emissoras de Rádio e TV (Abert), que apontam o aumento de 21,7% na violência contra a imprensa só em 2021. Os resultados alarmantes, indissociáveis do estilo belicoso do presidente, são apenas parte do terror que se instalou no país.

Tudo é muito pior. Bolsonaro banaliza, estimula e põe em curso violência ainda maior contra o Brasil. Culpa os mortos e alivia a barra dos homicidas em casos emblemáticos como os assassinatos de Bruno e Dom, na Amazônia – “estavam em uma aventura não recomendável” -, e de Foz do Iguaçu, crime de ódio de um bolsonarista contra um petista, que ele considerou como “briga de duas pessoas”.

Além das mais de três dezenas de decretos e portarias que editou para facilitar a compra de armas de fogo e munições, Bolsonaro violenta, dia sim outro também, as regras não escritas da vida em coletividade e as escritas e sacramentadas pela Constituição. Tendo como mote a inventada e estapafúrdia desconfiança nas urnas eletrônicas, as mesmas que o elegeram deputado por cinco mandatos e a presidente da República, desacata instituições e seus membros, incitando seus fiéis a práticas violentas.

“Vocês sabem o que fazer”, disse ao se referir ao provável revés que colherá em outubro. E, como em um time, escala o filhote senador, Flávio, para propagar que é impossível conter reação de apoiadores.

A beligerância do presidente contra ministros do TSE e às urnas desagrada meio mundo, em especial aos políticos de seu entorno, que a menos de três meses da eleição preferiam alardear o pacote de bondades recém-aprovado no Congresso, que injeta dinheiro na veia do eleitor. Mas como a tensão permanente garante o sucesso nas redes sociais, ambiente que repercute melhor o ódio do que a propaganda governamental, Bolsonaro insiste na tática de agressão sem limites.

Ainda que a incompetência, o improviso e o bate-cabeça predominem no governo e no QG bolsonarista, a campanha da reeleição pode ser dividida em dois flancos: o da dinheirama derramada para turbinar com R$ 200 o Auxílio Brasil, pingar duas doses de vale-gás, criar a bolsa-caminhoneiro e o troco-taxista, tudo valendo só até o fim do ano, e o da guerrilha contra o resultado das eleições. Aqui, a base do raciocínio é a derrota, o que Bolsonaro, pateticamente, antecipou aos quase 70 diplomatas que reuniu no vexaminoso encontro da última segunda-feira, no Palácio do Planalto.

O episódio dos diplomatas, no qual pela primeira vez na história um presidente de um país desancou as instituições do seu próprio país, é mais do que uma barbaridade. Pode ser inserido como uma das maiores violências contra o Brasil. Uma declaração de guerra de Bolsonaro contra a democracia a partir do questionamento do sistema eletrônico de votação que ele e seus lambe-botas, incluindo aí o ministro da Defesa e outros graduados das Forças Armadas, sabem que não será fraudado. Uma trumpinização tão bestial e criminosa quanto a do ex-presidente dos Estados Unidos – ídolo que Bolsonaro imita de forma grotesca -, agora desmascarado publicamente pelo Senado americano.

A cruzada de Bolsonaro contra o país tende a se tornar ainda mais agressiva. Todas as iniciativas para detê-la são bem-vindas. De entidades da sociedade civil, organizações não governamentais, do grupo de trabalho montado pelo TSE, de empresários, juristas, artistas… Mas só a força do voto é capaz de dar um basta à escalada de violência contra a democracia, um bem essencial que Bolsonaro detesta.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 24/7/2022.

Mary Zaidan

Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.

Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.

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