5 de maio de 2024
Colunistas Joseph Agamol

Artistas e política: o marco zero

Imagem: Google Imagens – Metrópoles

O caso Bebel me fez ficar matutando: em que momento exato da História artistas de variados matizes passaram a acreditar que suas opiniões sobre política eram, mais do que desejáveis, necessárias?

(Em tempo: aprecio bastante o trabalho da moça, admiro muito sua mescla de bossa-nova com ritmos eletrônicos e sua voz suave sempre me soa bem)

Há os casos clássicos de artistas que se juntaram às forças militares de seus países e lutaram em guerras. Como foi o caso do britânico David Niven, que, em 1941, aos 31 anos, sendo já um bem sucedido ator, interrompeu a carreira para se alistar novamente no Exército.

Mas não me refiro a esses exemplos, pois que não se tratam de emitir opiniões para influenciar parcelas da sociedade. Nesse sentido, penso que a “virada de chave”, o “marco zero”, o momento em que artistas passaram realmente a acreditar naquilo que seus fãs diziam, a saber, que eram seres especiais e quase semidivinos, dignos de atenção plena, não apenas por suas habilidades para o canto ou execução de um instrumento, foi nos anos 60.

Não por acaso, década em que as teorias gramscistas, que pregavam o uso intensivo de artistas para divulgar e preparar a revolução, tiveram sua gênese. Os anos 60 foram também o momento em que os jovens foram convencidos de que os mais velhos não eram dignos de confiança – “não confie em ninguém com mais de 30 anos”, como dizia a canção. Isso foi levado às últimas consequências em algumas tenebrosas experiências revolucionárias.

A junção desses elementos com a muitas vezes congênita arrogância de quem recebeu dons para a música, ou interpretação, ou seja o que for, elevou a já normalmente elevada autoestima dos artistas a alturas nunca antes imaginadas, fazendo-os realmente acreditar que foram incumbidos de uma espécie de “missão”.

Fernando Pessoa, em um de seus mais conhecidos poemas, diz que o poeta é um fingidor que acredita que é dor a dor que ele realmente sente.

Acho que muitos artistas de hoje, tal como o poeta de Pessoa, também são fingidores: fingem que são enviados divinos que tem como “missão” levar às massas bárbaras e incultas a “Verdade” a qual apenas eles tem acesso.

E o pior é que acreditam nisso.

Joseph Agamol

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *