3 de dezembro de 2024
Colunistas Mary Zaidan

Sob o domínio do mal

A crise institucional é grave, com arreganhos golpistas e inconstitucionalidades rotineiras. Por Mary Zaidan

Instabilidades política e econômica costumam colocar as instituições em xeque. Se a elas acrescenta-se o mais grave flagelo sanitário dos últimos 100 anos, tudo tende a explodir. E explodiu. Pouco adianta dourar a pílula com a lenga-lenga de que os “homens passam e as instituições ficam”. O Brasil vive uma crise institucional grave, com arreganhos golpistas e inconstitucionalidades rotineiras praticadas por aqueles que deveriam assegurar o cumprimento da lei e proteger a democracia.

É uma quadra dantesca, que colocou o país sob domínio do mal.

O ocupante da Presidência da República não se cansa de desonrar o cargo que lhe foi outorgado pelo voto popular. No combate à pandemia, negou tudo que poderia evitar a catástrofe de mais de 2 mil mortos por dia. Não governa e se diverte incitando apoiadores para atos golpistas. Em campanha ininterrupta desde janeiro de 2019, Jair Bolsonaro só pensa em ser reeleito para a cadeira que ele cotidianamente insulta. Imagina, assim, proteger os filhos do incômodo de investigações judiciais e prosseguir com a sua rentável empresa familiar.

Ao não ter dimensão institucional de seu papel, Bolsonaro destrói um dos elos do anel que sustenta a República, algo que dará trabalho para ser amalgamado no futuro.

Na Suprema Corte, a guerra intestina entre ministros joga às favas as balizas constitucionais e produz excrescências que viram e reviram o país de pernas para ar ao bel prazer das excelências togadas. Na semana passada, assistiu-se a mais um embate figadal. Edson Fachin anulou todas as condenações do ex-presidente Lula, não por ele ser inocente, mas por erro de foro, e um indignado Gilmar Mendes bramiu pela parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro na condenação do petista. Tudo assim, como briga de moleques que se dizem donos da bola.

É imprescindível observar que a razão de um e de outro exposta agora nega o argumento de ambos em julgamento da mesma matéria, com o mesmo réu e o mesmo juiz. Se seus mais altos membros enxovalham a Justiça, fica difícil convencer aos simples mortais que ela é uma instituição a ser respeitada.

Os exemplos vindos do Parlamento também corroboram com a derrocada das instituições. Com o mês de março chegando à metade, ainda não há data fixada para a votação do orçamento de 2021, e o auxílio emergencial só agora – três meses depois do fim do primeiro lote de ajuda – foi aprovado, ainda assim com gatilhos fiscais frouxos.  A urgência da Câmara sob a batuta do neo-bolsonarista Arthur Lira (PP-AL) foi a de votar a PEC da impunidade, com relaxamento de regras para prisão de parlamentares, que só não emplacou devido à grita vinda de todos os cantos.

A nova pauta “urgentíssima” tampouco tem a ver com as angústias do país. Lira quer regredir na proibição das coligações partidárias e na cláusula de barreira, que afeta pequenas siglas, colocar na sala o bode frankestein “distritão”, e, claro, mexer na propaganda eleitoral.

Mas a prova mais latente de que o Parlamento está capengando como instituição é a eleição de uma deputada investigada pelo STF por disseminar notícias falsas, estimular e participar ativamente de atos antidemocráticos, para assumir a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), eixo de legalidade da casa do povo.

A indicação de Bia Kicis (PSL-DF) chegou a ser contestada. Em fevereiro, poucos acreditavam que o seu nome, com todo o extremismo radical que carrega, emplacaria. E poucos prestavam atenção à deputada Carla Zambelli (PSL-SP), também investigada por incitação a atos antidemocráticos, que acabou eleita presidente da comissão de Meio Ambiente, outra posição estratégica para Bolsonaro na sua missão de destruir em vez de construir.

Bia e Carla foram eleitas na semana de um duplo tsunami: o recrudescimento da pandemia, hospitais em colapso e urgência de medidas restritivas mais agudas, e a decisão de Fachin que recolocou Lula nos palanques e reafirmou a polarização entre extremos.

Ficaram em segundo plano. Mas o poder conferido a elas, duas negacionistas por excelência, que execram medidas de isolamento e o uso de máscaras – Bia chegou a divulgar um vídeo “ensinando” a burlar a exigência da proteção – permite que muitas boiadas passem. Do voto impresso à redução da faixa etária para ministros do STF, possibilitando assim que Bolsonaro possa indicar outros 4 para a Corte; da facilitação de titulações de terra a limitações a mulheres trans; da liberação de áreas indígenas para exploração mineral à castração química de condenados por estrupro.

Ao contrário do dito, as instituições não pairam acima dos homens, que podem fazê-las melhores ou piores. Mas só são fortes sob o escrutínio permanente da coletividade. Sua vitalidade depende de nós.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 14/3/2021. 

Mary Zaidan

Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.

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Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.

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