3 de dezembro de 2024
Colunistas Ligia Cruz

Adeus bifinho

O que falta acontecer neste país?

Onde habita a honestidade senão nos livros que nos ensinaram a ler e escrever, naqueles que nos apresentaram os primeiros heróis na infância?

Os vilões eram fictícios, cópias dos mais horrendos seres que povoaram o inconsciente coletivo de meninos e meninas. Muitas vezes lembrados em rodas de conversas infantis nas calçadas onde uma vela iluminava quando a luz acabava.

Os mosquitos atacavam, mas não traziam junto sentenças de morte.

Alguma mãe trazia bolinhos de chuva fritos a colheradas no azeite de amendoim, nada transgênico, manipulado. A felicidade cabia numa mordida.

Deus ouvia a todos a cada exclamação e a maldade humana se resumia no “homem do saco”.

A disputa de liderança e popularidade entre os pequenos pertencia a quem contasse a melhor história.

Qualquer batida de folhas que o vento fazia era um minuto de silêncio e olhares se encontrando.

O medo ficava preso na garganta até alguém dizer que não era nada. Ou era o saci.

A rua era de terra batida e o mato crescia perto da calçada, aquele mesmo que a mãe quarava a roupa branca. Tudo cheirava a Sol.

Perto das 10 da noite todos estavam na cama, não antes de lavar os pés. Era tudo muito simples, faltava muita coisa, mas o beijo de boa noite não.

Não sou da geração do Danoninho que valia um bifinho, mas muitas vezes passamos sem ele. Haja polenta com couve, aquela do quintal, orgânica!

Acordar dessas memórias e a realidade, à luz do dia, revelar toda a vilania que nos cerca hoje, é matar um pouco daquela infância onde os maus tinham um repertório escasso e podiam ir pra cadeia.

Faltava luz dia sim, dia não, por outras razões, mas a conta não era uma facada no peito.

As sanguessugas eram aqueles bichinhos pretos melequentos que grudavam na pele, não os caras que ocupam o congresso, o senado, os bancos e os governos.

Pobres crianças que hoje não têm mais a pureza no medo de uma historinha inventada. O celular não deixa.

Vamos todos comer polenta sem a couve, porque a orgânica custa oito reais.


Estamos sendo envenenados, contagiados, picados, massacrados.

Crescer nos dias de hoje é a coisa mais triste do mundo.

Como explicar à elas o que é Lava-jato, o porquê de tantas prisões, quem é bom quem é mau, o que comer ou não. Saudades do homem do saco.

Ligia Maria Cruz

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

1 Comentário

  • Rute Abreu de Oliveira Silveira 22 de março de 2021

    Amei !!!!!!
    Saudades de “gente que era gente”.
    Coisas que não voltam jamais.
    Rute Silveira

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