Eu sou jornalista, sou formada em Direito por Universidade Federal e passei em 10° lugar sem cota e sem cursinho extra.
Tinha 16 anos e uma base como qualquer outro: havia poucas escolas particulares tradicionais e a escola pública para todos.
Aos 7 anos eu tinha um colega da zona rural que depois da aula vendia Picolé. O nome dele era Gilson. Alto, louro, olhos azuis da cor do céu. O cabelo maltratado, o uniforme velho. E era muito inteligente. A professora Joana de Caux nos colocou para fazer trabalhos juntos. Eu era a filha do juiz e ele filho de lavrador. Eu marcava os trabalhos depois da aula, na minha casa. E junto ia a Meire, que sentava ao meu lado, a mãe era costureira. Menina simples. Meu pai era o juiz da cidade. Eu era menina simples também. Íamos nós três pra minha casa e eu catava umas pedrinhas… Guardava no bolso.
Por que o trabalho logo após a aula? Para os dois poderem almoçar na minha casa. E pedia à minha mãe para colocar mais dois ovos fritos para o Gilson. Todo o dinheiro que eu juntava, comprava os picolés dele.
Depois do trabalho da escola, ele ia embora com aquele isopor de picolé de um lado e os livros do outro. “Olha o Picolé! Quem quer picolé!”.
Eu entrava correndo em casa para lavar e secar as pedrinhas que havia guardado no bolso do casaco. Colocava uma por uma numa caixa vazia, dessas de camisa social, que eu tirava do armário do meu pai. Fazia divisões com cartolina, colocava algodão e deixava as pedras ali dormindo com uma coberta de pedacinhos de pano que eu cortava e colocava em cima.
Um dia, a empregada pegou a caixa e jogou as pedras no rio lá embaixo. E eu passava os dias, depois da aula, olhando o rio e pensando nas pedras geladas no fundo dele.
Tempos depois, jornalista, em cobertura dessas guerrinhas “bacanas”, sentada na frente de um tanque de guerra, contei esta história para um grupo de pessoas. Uma mulher indiana mais velha, pegou a minha mão e disse: “vc cuida das pedras… até das pedras. Das pessoas às pedras. Do todo. Dentro de vc , a sua essência é diamante”.
Dessas coisas que não dá pra esquecer.
Eu sei do que falo…
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Jornalista internacional, diretora de TV, atualmente atuando no exterior.