Os brasileiros que gastarão 20 bilhões de dólares em viagens ao exterior em 2018 vão para os EUA e o mundo capitalista, não para a Guiné Equatorial
COMPROMISSO - O presidente eleito, na primeira reunião com os auxiliares do futuro governo:
reafirmando o combate à corrupção, mas indicando ministro suspeito
(Rafael Carvalho/Governo de Transição/Divulgação)
Está havendo muito espanto, e até bem mais do que isso, cada vez que o novo presidente Jair Bolsonaro anuncia algum nome para o ministério ou o primeiro escalão do seu governo. Alguns, para dizer a verdade, são aceitos sem muita conversa — gente para o Banco Central, o Ministério da Infraestrutura, a chefia do Tesouro Nacional etc., mesmo porque boa parte do público nem sabe que existe um Tesouro Nacional. São coisas sérias, chatas e, fora os próprios interessados nos cargos, quem vai discutir para valer por um negócio desses? Não dá bem para ver, realmente, nenhuma briga de foice por causa do novo secretário-geral adjunto da Fazenda, por exemplo, ou algo parecido — também não se veem, nesses casos, amizades íntimas que explodem, rixas de morte dentro das famílias ou bloqueios tempestuosos no Facebook, como se tornou praxe na campanha eleitoral. Mas assim que aparece uma nomeação mais vistosa, daquelas que mexem com os chamados “grandes temas nacionais”, o tempo fecha. Os surtos de irritação, impaciência e nervosismo que têm acompanhado o anúncio dos nomes se concentram, até agora, numa questão básica: como é que foram escolher um sujeito desses? O novo ministro das Relações Exteriores, por exemplo, foi descrito pelos cientistas políticos praticamente como um doente mental. O da Educação se viu mais ou menos acusado de acreditar que a Terra é plana. A ministra “da Mulher”, ou coisa que o valha, é outro objeto de assombro.
O que está acontecendo? A resposta é: não está acontecendo nada. Ou melhor, está acontecendo exatamente aquilo que tinha de acontecer. No último dia 28 de outubro, o deputado Jair Bolsonaro ganhou as eleições para presidente da República e, dali por diante, passou a escolher para o governo o tipo de pessoa que o seu eleitorado quer ver lá — ou, pelo menos, as pessoas que ele imagina serem as mais capazes de fazer as coisas que prometeu aos 58 milhões de brasileiros que votaram nele. Forçosamente, se você não gosta do que Bolsonaro propôs para o Brasil do começo ao fim de sua campanha eleitoral, e em seus trinta anos de vida pública, também não pode gostar das figuras que ele tem escolhido para ajudar no governo. Não há outro jeito. Como poderia haver? Se o novo presidente estivesse colocando nos ministérios figuras aplaudidas, aprovadas ou aceitáveis por quem votou contra ele, alguma coisa estaria profundamente errada na história toda. Quem está contra Bolsonaro, e há muita gente contra, tem mais é que não gostar mesmo das escolhas feitas por ele. Quem tem de gostar são os que estão a favor do novo presidente — e há mais gente a favor do que contra, razão, aliás, pela qual é Bolsonaro, e não Lula, quem está nomeando os ministros. Fazer o quê, a esta altura? Esperar que o governo comece, só isso. Aí, sim — se os escolhidos não fizerem o que foi combinado na campanha, ou fizerem mal, haverá toda a razão para dizer que suas nomeações foram um desastre.
O ministro nomeado para o Itamaraty, Ernesto Araújo, ilustra bem esse curioso descompasso entre o resultado da eleição e a condenação do ministério de Bolsonaro pela crítica. Araújo acha que o Brasil deve ter os Estados Unidos como o principal aliado em suas relações exteriores. Não gosta de Cuba, da Venezuela nem de ditaduras africanas, tampouco de que recebam dinheiro de presente do BNDES. Desconfia de toda essa constelação internacional de doutrinas que vê com alarme o agronegócio no Brasil, quer que os países abram suas fronteiras à imigração ou imagina um mundo governado por comitês da ONU e burocracias do mesmo gênero. Mas não é justamente tudo isso que o eleitorado de Bolsonaro espera de um novo Itamaraty? Os brasileiros que gastarão 20 bilhões de dólares em viagens ao exterior em 2018 vão para os Estados Unidos e o mundo capitalista, não para a Guiné Equatorial ou a Faixa de Gaza — quem gosta desses lugares é o ex-chanceler Celso Amorim, só que ele está do lado que perdeu. A população, na verdade, nem sabe quem é esse Araújo; o que sabe, isso sim, é que os Estados Unidos dão mais certo que a Palestina. Se o novo ministro também acha isso, ótimo.
Da mesma forma, criou-se grande escândalo em torno da ministra Damares Alves — ela é contra o aborto, acha que há meninos e meninas, e não “meninxs”, e é a favor do ensino religioso, que existe no Brasil desde o padre Anchieta. O novo ministro da Educação é considerado um homem da Idade da Pedra por ser contra a escola “com partido” — e assim por diante. Queriam o quê? Outro ministério, agora, só com outra eleição.
Publicado na edição impressa de VEJA
Fonte: Blog Fatos – Veja Abril
José Roberto Guzzo, mais conhecido como J.R. Guzzo, é um jornalista brasileiro, colunista dos jornais O Estado de São Paulo, Gazeta do Povo e da Revista Oeste, publicação da qual integra também o conselho editorial.
José Roberto Guzzo, mais conhecido como J.R. Guzzo, é um jornalista brasileiro, colunista dos jornais O Estado de São Paulo, Gazeta do Povo e da Revista Oeste, publicação da qual integra também o conselho editorial.
Usamos cookies em nosso site para oferecer a você a experiência mais relevante, lembrando suas preferências e visitas repetidas. Ao clicar em “Aceitar tudo”, você concorda com o uso de TODOS os cookies. No entanto, você pode visitar "Configurações de cookies" para fornecer um consentimento controlado.
This website uses cookies to improve your experience while you navigate through the website. Out of these, the cookies that are categorized as necessary are stored on your browser as they are essential for the working of basic functionalities of the website. We also use third-party cookies that help us analyze and understand how you use this website. These cookies will be stored in your browser only with your consent. You also have the option to opt-out of these cookies. But opting out of some of these cookies may affect your browsing experience.
Necessary cookies are absolutely essential for the website to function properly. These cookies ensure basic functionalities and security features of the website, anonymously.
Cookie
Duração
Descrição
cookielawinfo-checkbox-analytics
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics".
cookielawinfo-checkbox-functional
11 months
The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional".
cookielawinfo-checkbox-necessary
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary".
cookielawinfo-checkbox-others
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other.
cookielawinfo-checkbox-performance
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance".
viewed_cookie_policy
11 months
The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data.
Functional cookies help to perform certain functionalities like sharing the content of the website on social media platforms, collect feedbacks, and other third-party features.
Performance cookies are used to understand and analyze the key performance indexes of the website which helps in delivering a better user experience for the visitors.
Analytical cookies are used to understand how visitors interact with the website. These cookies help provide information on metrics the number of visitors, bounce rate, traffic source, etc.
Advertisement cookies are used to provide visitors with relevant ads and marketing campaigns. These cookies track visitors across websites and collect information to provide customized ads.