Foto: Google Imagens – Segredos do Mundo
Agora há pouco fui tomar a vacina anual contra a gripe. É um segredo de polichinelo que eu, apesar das doze – ou quinze, nem eu sei mais – tatuagens, me pelo de medo de agulha. Mas fui.
Entrei no consultório.
– (eu, fingindo esbanjar confiança, com ar blasé e esperançoso): oi, moça. Vim tomar a vacina contra a gripe, mas acho que não chegou ainda, né?!
– (ela, implacável, percebendo o leve tremor em minha voz): chegou sim, pode entrar e sentar. É depois dessa menininha aqui.
A menininha em questão estava sentada e me olhou curiosa, com certeza imaginando se gente velha precisava de vacina. Uma outra enfermeira passava uma abelhinha vibratória no braço da menina: uma espécie de anestésico tópico. A primeira veio sorrateira e espetou. A menina nem chorou.
– ó que linda !!!! Nem doeu, né?! Vai ganhar um balão por ser tão corajosa !!!
A menininha saiu toda orgulhosa, levando seu balão. A enfermeira número 1 lançou-me um olhar que me pareceu particularmente maligno e disse:
– pronto.
– (e eu): pronto o quê?
– sua vez. Pode sentar.
Sentei. O suor porejava na minha testa, em milhares de gotículas frias. Minhas pernas pareciam ter se transformado em duas sacolas flácidas de gelatina. Meus olhos estavam esgazeados e vermelhos e eu parecia prestes a cair duro ali mesmo. A enfermeira número 2 sorriu. Não foi um sorriso simpático.
– hummmmmmmmmm… ‘tá com medo, né?!
– (eu, tentando, ingenuamente, readquirir o controle da situação): er… é, mas quem não tem, né ?!
– mas um homão desse tamanho… quanto o senhor mede?
– 1,85m – grasnei, com voz roufenha.
– (a enfermeira, chamando triunfalmente as outras do turno): gente, esse moço… quanto o senhor pesa? Quase 100kg??? Esse moço grandão aqui tem medo de uma agulhinha à toa, hahahaha!!!
Agora não mais uma, nem duas, mas umas CINCO enfermeiras se reuniram para rir em coro da minha cara.
– hahahaha!
Lembrei das hienas de O Rei Leão e me senti o próprio pai do Simba. Ah, lembrei das Crônicas de Nárnia também. Abandonei qualquer fiapo de dignidade e me conformei à situação. Estendi o braço. A enfermeira número 1 veio com a agulha imensa em riste.
– ‘pera!, coaxei.
– (ela, babando na gravata, doida pra me furar): ‘pera o quê?
– a abelhinha. Eu quero a abelhinha também.
Ela sorriu com desprezo mal disfarçado e apontou para a enfermeira número 2, que passou a abelhinha vibratória em meu braço.
A espetada veio, e, com ou sem abelhinha, a dor também, impávida “que nem Muhammad Ali”.
Apelei pro último laivo de masculinidade e não desmaiei.
A enfermeira número 1 – um pouco desapontada, acho que esperava que eu me jogasse no chão e esperneasse como o Angus Young durante um show do Ac/Dc – disse:
– pronto! Nem doeu, né?!
– É. Cadê meu balão? Eu quero.
Que venha a próxima.
Professor e historiador como profissão – mas um cara que escreve com (o) paixão.