13 de outubro de 2024
Joseph Agamol

O Brasil é mesmo cabuloso

Foto: Arquivo Google – NSC
Semana passada compartilharam no grupo de WhatsApp da minha rua um daqueles áudios onde um presidiário tenta extorquir uma pessoa. Vocês já devem ter ouvido.
A pretensa vítima percebeu o golpe logo no início e deixou a conversa se desenrolar, até desmascarar o bandido, que, ao ser confrontado, se mostrou indignado. É, indignado.
O bandido ficou indignado, porque, segundo ele, estava “trabalhando” e ser desmascarado atrapalhava o seu “serviço”.
Sim, amigos e vizinhos: se não fosse esse o país onde a linguiça é que corre atrás do cachorro, nós até poderíamos ficar surpresos.
No áudio de ontem, que vincula uma organização criminosa ao partido do Voldemort de Garanhuns, o que me chamou mais atenção foi a mesma indignação percebida na fala do criminoso:
O ministro Moro, com sua ação firme em favor da lei, estaria “atrapalhando” o “trabalho” dos meliantes.
O que une os dois casos, para mim, é a ideia de que os criminosos, em algum nível, parecem acreditar mesmo que desempenham uma função produtiva na sociedade.
Parece claro que essa percepção que os bandidos tem de si próprios é fruto da construção de historiadores esquerdistas como Eric Hobsbawn, que propagou a tese do “banditismo social”.
Por essa tese, que foi logo encampada gostosamente e divulgada à exaustão pela TV e cinema nacionais, aqueles que são apenas criminosos comuns se transformam em “justiceiros” ou Robin Hoods modernos.
O sentido original da gíria “cabuloso”, usada pelo chefe da organização criminosa no áudio, remetia a algo desagradável, até terrível. Mas pode ser ressignificado para algo desejável e positivo.
Apenas em um país como o Brasil a mesma fluidez semântica aplicada à gíria está presente também nos conceitos de moral e ética.
O que permite que criminosos contumazes considerem sua atividade como um “trabalho” – e que o ministro da Justiça, com sua atuação firme e rigorosa, seja considerado um elemento perturbador dessa ordem distorcida.
“Cabuloso” é a epígrafe e a síntese do Brasil, e ajuda a nos resumir e compreender – como a nação que não chegamos a ser.
Joseph Agamol

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

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