26 de abril de 2024
Colunistas Joseph Agamol

Apenas um pouco de magia antiga

Ser criança nos anos 70 compreendia um combo quase invariável, formado por alguns, ou todos e mais alguns, itens, a saber:

– beber água de mangueira na calçada;

– permanecer na rua, sozinho ou em bandos alegres, sem celular ou qualquer meio de controle, até, muitas vezes, depois do pôr do sol;

– consumir, desenfreadamente, pingos de leite, chicabons, pés de moleque, peitinhos de moça, e o que mais nos caísse nas mãos e estômagos sempre com fome, incluindo aí as frutas que ainda abundavam no Rio setentista: mangas, espada e rosa, sapotis, quando chegávamos antes dos morcegos, goiabas vermelhas e brancas, pitangas, nêsperas, frutas que eram, claro, meticulosamente limpas, segundo o protocolo dos guris da época: uma vigorosa esfregada no tecido do short ou camisa, que, como todos sabiam, possuíam poderosas propriedades antissépticas.

– em casa, assistir, religiosamente, programas como Globo Cor Especial, Vila Sésamo e Os Muppets.

Se você fosse um guri esquisito como eu, que adorava ler tanto quanto patrulhar os quarteirões do meu bairro, um jovem lobo selvagem e livre, ficaria ansioso esperando pelo lançamento – em bancas, claro – dos manuais Disney.

Foto: Joseph Agamol

Comprar um manual desses, para mim, equivalia a semanas juntando todas as pratinhas – hahaha – que eu pudesse ganhar, e ainda contar com a sorte de encontrá-lo no jornaleiro.
Se esses fatores combinassem, você teria em mãos horas, dias, semanas – ou meses de encantamento.
Desde aprender sobre o surgimento do dinheiro, no Manual do Tio Patinhas, até o nome de detetives e criminosos famosos, no Manual do Mickey, passando por uma lista de castelos mal-assombrados e dicas sobre como sobreviver na Natureza, nos Manuais da Maga e Min e do Escoteiro Mirim.

Fechem os olhos por um instante.
Ouçam uma canção de Elton John.
Vislumbrem uma cozinha de uma casa, nos fundos, chão de cerâmica vermelha.
Observem o menino deitado, com um Manual diante dos olhos.
A seu lado, um prato com fatias de bolo Plus Vita ou Pullman, e um copo de Grapete ou Crush.
Nos olhos, na mente, no coração, encantamento: um pouco da magia antiga – que nunca mais se repetirá.

Claro que hoje em dia há o Google. Claro.

Mas eu tô falando é de magia, amigos e vizinhos.

Apenas um pouco da boa e velha magia antiga.

A melhor.
Joseph Agamol

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

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