Dá para entender a mudança na cabeça das pessoas nessa estação: é uma dádiva
Chego a Moscou com um vento um pouco frio. Mas isso não apaga a sensação que tive ao visitar algumas cidades da Rússia: é verão.
Passei alguns na Suécia, e experimentei longos invernos. Dá para entender a mudança que se passa na cabeça das pessoas durante o verão. É uma dádiva. Aqui também muita gente usa pouca roupa, não se importando muito com a estética. O essencial é se livrar de muito peso, banhar-se ao sol.
Algo que me impressionou na Rússia foi ver tanta gente com flores. Encontrei um brasileiro e sua filha em São Petersburgo. Eles replantam orquídeas da Ásia e as revendem no Nordeste. Disseram que nunca viram um lugar em que as flores são tão populares como aqui.
Na saída do metrô Pavelets há uma senhora com um lenço na cabeça, encostada na parede, que às vezes fotografo. Ela estende um buquê de flores à espera de comprador.
Outra tendência que vi e já mencionei nesta coluna é a dos patinetes, que me parecem tão populares quanto a bicicleta. Mas é uma tendência internacional, e daqui a pouco teremos patinetes de aluguel, como temos as bikes.
Na campanha de 1998 usei um carro elétrico emprestado pela Fiat. Em 2004, usei um patinete. Deveria ter entrado para o ramo do transporte, daria mais certo.
Observo e tenho fotografado também por aqui algo que as meninas que têm em torno de oito anos estão usando muito: falsos dreadlocks. Elas ficam com longos fios coloridos, mas acho que é algo que podem remover com facilidade. Caso contrário, as mães não deixariam.
Como se casam as pessoas nesta época do ano. É só dar uma passada no famoso Parque Gorki que sempre há alguém posando para uma foto de casamento. Isso acontece também no Jardim Botânico do Rio. Mas durante todo o ano. Duvido que a noiva encare uma sessão de fotos a 20 graus abaixo de zero.
Uma boa parte do meu trabalho de rua é sobre a arquitetura. Foi nessa busca pela diversidade arquitetônica na Rússia que cheguei à conclusão que as pessoas ainda fumam bastante.
Em muitas entradas de prédio há grupinhos de fumantes. E fala-se muito na bebida. Vi poucos bêbados por aqui. Menos que na Suécia.
Leio no “Moscow Times”, no entanto, que a população de rua foi retirada nas vésperas da Copa e concentrada em abrigos nos arredores de Moscou.
Falava-se muito no grande número de cachorros: cerca de 30 mil. Também os cachorros e gatos desapareceram. Segundo o relato de Vivian Oswald no seu livro sobre a Rússia (“Com vista para o Kremlin”), eles costumam dormir nas estações de metrô. Era esse um dos temas de minha pauta. Pensei em algo como a Ilha Grande, onde há cachorro por toda a parte e você pode encontrar um amigo ocasional. Só fui encontrar dois gatos pingados, em São Petersburgo e Sochi.
Para onde foram 30 mil cachorros de Moscou? Uma pergunta dessas precisa ser feita por escrito e deve rolar meses pela burocracia. Ronaldo Fenômeno tem posado com o prefeito de Moscou, Sergei Sobyanin. Dizem que ele gosta de publicidade e orienta os jornais a citá-lo pelo menos três vezes nos artigos sobre Moscou.
Quem sabe, Ronaldo não pergunta isso a Sobyanin? Alguns jornais que tentaram sempre receberam a resposta de que era uma questão de saúde: por que se interessar pelos cachorros, e não pelas pessoas?
Pela terceira vez, Sobyanin: onde estão os 30 mil cachorros de Moscou?
Artigo publicado no O Globo em 04/07/2018
Fonte: Blog do Gabeira
Jornalista e escritor. Escreve atualmente para O Globo e para o Estadão.