7 de maio de 2024
Colunistas Fernando Fabbrini

Reinado da idiotice

O triunfo da grosseria, do mau gosto e da estupidez .

Foto: Editoria de arte

Além das restrições autoritárias impostas pela prefeitura-ditadura, fazendo média com bêbados, minorias arrogantes, mamões de dinheiro público e a massa ignara, o Carnaval gerou ainda mais certezas de que a prepotência e a idiotice galopante tomaram conta de uma geração inteira – e vieram para ficar. Trios elétricos infernizaram residências e hospitais enquanto adolescentes balançavam bundas e braços ao som baiano, com garrafa de cerveja na mão e sorridentes, sempre iguais. O padrão da bobice está implantado. É ou não é o retrato da involução, da obscuridade e do desrespeito à vida comunitária?

Uma amiga, próxima dos 40 anos, inteligente e bonita, repete que “no Carnaval, homens ficaram ainda mais babacas”. Dá exemplo: por diversas vezes foi abordada por rapazes de bermuda, colarzinho e copo Stanley. Minutos após apresentações de praxe e comentários meteorológicos, o imbecil solta a frase que já virou clichê: “Deixa eu te beijar?”. O cara fala isso a uma mulher que acabou de conhecer. Mandado às favas, ele sai à procura de uma adepta a esse intercâmbio maciço de bactérias. Há muitas.
Nas redes há vídeos em que alguém, com microfone na mão, faz perguntas facílimas a grupos de jovens de 20 e poucos anos – muitos deles, universitários. Coisas assim: “Qual o país com o maior território da América do Sul?”. Ninguém sabe. “Como se chamava o filho de dom Pedro I?”. O interrogado coça a cabeça e dá um sorrisinho: “Xi, essa é difícil”.

Porém, um dos mais danosos e lamentáveis tentáculos da idiotice nacional envolveu e sufocou aquela que já foi uma das mais ricas e respeitadas áreas da nossa cultura – a música popular. O funk, o axé e outros ritmos são ideais para criações pavorosas de indivíduos de talento rasteiro, personalidade contraventora, simpatia pela marginalidade e sensibilidade de um ogro. Gente assim faz sucesso espremendo a vacuidade de suas mensagens em compassos do enfadonho “tam-tam, tam/tam-tam, tam” – o bate-estacas implacável que aos poucos enterra os neurônios dos jovens ouvintes nas valas da ignorância e da sordidez.

Os sertanejos merecem um estudo à parte. Por dever de ofício, às vezes abro o YouTube e submeto-me aos duetos de vozes fanhosas que choramingam traições, adultérios, paixões funestas, abandonos, maus-tratos, raivas contidas, sufocos, ingratidões e remorsos – tudo coroado de chifres abundantes – para uma plateia de moças de cabelos longos (idênticos) que seguram celulares (em posições idênticas), choram e berram em uníssono.

Esqueçam a beleza e o talento de Edu Lobo, Tom Jobim, Roberto e Erasmo, Cartola, Belchior, Renato Russo, Paulinho da Viola, Djavan, Paulo César Pinheiro e outros que engrandeceram nossas almas com matéria-prima de qualidade. A lista recente das mais tocadas no Spotify tem três músicas com carimbo de conteúdo explícito (ou seja: sacanagem). Uma é “Poc poc”, que reproduz a relação sexual em onomatopeias. “Macetando”, de Ivete Sangalo, descreve mulheres ansiosas pelo ato sugerido pelo referido verbo. A letra de “Tenho que me decidir”, outra combinação de sexo, drogas e ostentação, diz: “Uh, nada pode me parar/Eu te falei, sua p…/Hoje nós faz (sic) milhões/Mas nunca faltou luta”. Alguém entendeu a complexidade do verso?

Alvaro Siviero, pianista e estudioso renomado, afirmou que “a música popular não tem que ser algo de baixa qualidade, pobre, imoral ou criminal”. “Basta a gente trabalhar o nível educacional das pessoas e conscientizá-las sobre o que estão consumindo”. Antes fosse. Alguém acredita que tal mudança seja possível no país do Carnaval, da volta da corrupção generalizada, dos condenados soltos, dos inocentes presos, da justiça obscena, do ensino cada vez pior, da grosseria e da banalidade que hoje dominam a pátria educadora?

Fonte: O Tempo

Fernando Fabbrini

Escritor e colunista de O TEMPO

Escritor e colunista de O TEMPO

    1 Comentário

    • Rute Abreu de Oliveira Silveira 26 de fevereiro de 2024

      Muito bom esse seu texto.
      Eu penso que essa conscientização é uma tarefa inglória.
      Do jeito que caminhamos, com os exemplos que estão vindo de cima, do ” alto escalão” da política, precisaremos de décadas de trabalho árduo para começarmos a mudar essas posturas abjetas.
      Rute Silveira.

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