19 de abril de 2024
Erika Bento

Contato – As vidas de Sofie – Capítulo 16

capa livro 1

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Continuação…

Capítulo 16

— Sophie, por favor, seja racional! – implorava Anne à sua frente, no quarto do hospital.

— Anne, não. Não me peça isso. Nós já conversamos, lembra? “Morrer em paz ou viver em paz” e eu fiz a minha escolha. Eu preciso saber — falava Sophie num tom quase ameaçador. A sua voz era carregada de rancor — Olhe para mim, Anne! Olhe para você! — Anne se desfazia em lágrimas enquanto Sophie, sentada na cama do um hospital, gesticulava nervosamente as mãos. — Você acha que isso é vida? Seja honesta, Anne!

Sophie tinha que fazê-la entender, tinha que fazê-la ver a sua realidade e continuou.

— Eu não posso fazer isso com você, Anne! Por favor! Você cuida de mim desde os sete anos de idade, não é justo! Você é linda por dentro e por fora. É uma pessoa maravilhosa e merece ter uma vida normal… não posso deixar você passar por isso.

Não posso deixar que você viva como a senhora Elena. Não você, minha irmã. Não. Prefiro morrer a ver você correndo atrás de mim, me salvando de ataques e transes e visões e que merda seja. Você merece mais do que isso. Eu preciso libertar você deste fardo, Anne. Preciso libertar a mim mesma. Pensou Sophie em lágrimas não derramadas.

Brandon entrou no quarto com radiografias nas mãos e perguntou com um sorriso discreto.

— Como você está, Sophie?

— Bem, obrigada — respondeu, baixando os olhos.

— E você, Anne? — perguntou Brandon, passando a mão pelo ombro de Anne.

— Tudo bem — respondeu, aborrecida, nervosa e frustrada, enxugando as lágrimas e sentando-se na cadeira ao lado da cama.

— Quando vou pode sair daqui? — perguntou Sophie, passando a mão pelo rosto tentando limpar a própria mente.

— Assim que terminarmos a papelada, creio que em uma hora, mais ou menos — Brandon percebeu o olhar de Sophie e disse. — Sophie, está tudo bem! Foi apenas um desmaio por estresse nervoso, você não teve nenhum acidente vascular, eu já te disse. Não se preocupe, está bem?

— Não é isso, Brad — disse Anne virando-se de frente para Sophie, com olhos em brasa — Sophie quer fazer a hipnose! Está decidida a fazer, com ou sem a sua permissão! — e Anne jogou as mãos na cintura, enquanto Sophie virava o rosto para o lado para não encarar nem Brandon nem a amiga.

— Sophie — disse ele, e esperou que ela se virasse. — Sophie — repetiu alguns segundos depois e ela se virou com olhos brilhantes. A raiva tinha passado e agora estavam apenas o medo e a angustia em seu olhar. — Sophie, você quer mesmo fazer isso? — perguntou Brandon, aproximando-se da cama, olhando-a profundamente.

Sophie sentiu de relance uma esperança batendo à sua porta e concordou com a cabeça, esforçando-se para não deixar que lágrimas lhe viessem ao rosto.

— Tudo bem, então — concordou, resignado, coçando a testa. — Eu não gostaria que você fizesse isso tão cedo, ainda mais depois deste desmaio, mas ao mesmo tempo, depois do que aconteceu com você ontem, acho que podemos pensar no assunto. Afinal, a sua cabecinha aqui aguentou bem, não foi?

Sophie lhe deu um sorriso de gratidão e Brandon advertiu.

— Mas somente se eu estiver monitorando você. Está bem?

— Claro. Tudo o que você quiser Brad — concordou imediatamente, sorrindo. Virou-se para Anne e sentiu um olhar glacial e penetrante por rapidamente ela e atingir Brandon em cheio.

— O que? Você vai permitir isso? — esbravejou Anne, pulando para fora da poltrona e indo rapidamente ao encontro de Brandon.

— Anne, acalme-se. Eu sei o que estou fazendo — justificou-se, segurando-a pelos ombros e fazendo-a olhar diretamente em seus olhos. — Sophie está bem e o seu corpo respondeu muito bem à medicação — apertou-lhe ligeiramente o braço como um código secreto e disse entre os dentes. — É melhor assim, ok?

Anne olhou-o fixamente tentando decifrar a mensagem que acabara de receber e, mesmo que não fizesse a mínima ideia do que fosse, concordou.

— Se você diz… — voltou-se para Sophie, que relaxava a cabeça contra o travesseiro encostado na cama reclinada, sorrindo e olhando para o teto.

Quando Brandon saiu, Anne foi atrás dele e, embora tivessem tomado cuidado para não serem ouvidos, Sophie conseguiu pegar as últimas palavras.

— … não permitir… atrás de outra pessoa… sozinha? — sussurou Brandon.

— Não… Deus, não — murmurou Anne em resposta.

No caminho para casa, Anne estava calada e Sophie tentava encontrar, dentro de si, uma maneira de colocar as coisas em seus lugares. Elena, Dolores, a herança, o dom, a visão de Thomas, o nome Claire. Não era fácil. Sabia que estava prestes a juntar as peças do quebra cabeças, mas não sabia nem mesmo se já tinha todas em mãos. Remoía incansavelmente o elenco de suas visões desde que acordara no hospital, no final da tarde do dia anterior. Era fundamental que ela conseguisse identificar quais delas se referiam a Elena e Dolores. E, depois, tentar entender o que Thomas tinha a ver com tudo isso.

— Sophi? — chamou Anne com uma voz tensa.

— Mmmm — respondeu num murmuro.

— Você acha que a Dra. Nancy faria a sessão de hipnose mesmo sem o consentimento de Brad?

— Acho que não — respondeu Sophie ainda distante em seus pensamentos.

— E você teria coragem de procurar outra pessoa? — Sophie virou-se pra Anne e disse, depois de uma breve hesitação.

— Acho que sim… — Anne mordeu nervosamente os lábios enquanto dirigia e Sophie continuou, sentindo-se cansada de tentar fazê-la entender. — Anne, por favor… Eu sinto que estou muito perto de encontrar o caminho. Talvez, até, as respostas para tudo o que eu venho passando há vinte anos… Vinte anos! E você sabe muito bem do que eu estou falando. Eu preciso tentar! Eu preciso me livrar disso, Anne! Se antes já era um tormento na minha vida, agora, ficou ainda pior! Eu me sinto… culpada!

Anne se virou para Sophie com um olhar incrédulo e questionou.

— Culpada? De que? — Sophie virou-se para a janela do carro e respondeu em voz baixa.

— Por Elena. E por você.

— Como é que é?????? — Anne estava prestes a se enfurecer de verdade.

— Anne, você não sabe como é…

— Ah, eu sei sim. E “culpa”, dona Sophie, é algo que você não tem. Não quero nem entrar neste mérito. Não mesmo! — abriu o vidro do carro e resmungou alguma coisa antes de continuar. — Depois de tudo o que Paul nos contou sobre Dolores, você me vem falar de culpa? Olha, Sophie, acho bom você colocar os seus miolos no lugar certo, porque senão, coloco eu!

Sophie deu uma risadinha entre os dentes, às vezes se divertia vendo a amiga nervosa, embora não fosse o caso para rir e Anne, ignorando-a completamente, continuou a resmungar.

— Culpa… Culpa… essa é boa.

Depois que acordara no hospital, Sophie recordou-se apenas da visão com Thomas. Pouco a pouco, voltaram em sua mente a corrida pelas ruas, a igreja e a fúria descarregada em gritos diante do altar. Pensou que nunca mais entraria em uma igreja na vida, mas decididamente não comentaria isso com Anne. A menos que quisesse vê-la ainda mais enfurecida. Anne tinha uma fé inabalável, diferente de Sophie que via a Igreja com total indiferença. E, depois da história de Dolores, mais mil perguntas de cunho religioso surgiram em sua cabeça. E, novamente, pensou na morte.

— Anne…

— Mmmm

— Se morrer for o que eu senti, ontem. Posso te garantir. É como desplugar de uma tomada. Em um minuto, você está consciente, sente, ouve, vê, respira, sofre… no outro.

Puf… desliga tudo.

— E você fala como se isso fosse bom — criticou Anne, revirando os olhos para cima.

— E é. Pelo menos para alguém com uma mente perturbada como a minha.

— Ah, Sophie, vai à merda, vai — desta vez, Sophie não sorriu e Anne ficou realmente furiosa.

Bring me to Life rompia o silêncio do carro e Sophie sabia que era Jesse ao celular.

— Oi — atendeu sem muito entusiasmo. — Estamos a caminho. Acho que em quinze minutos… Almoçar? — virou-se para Anne, que lhe fez um sinal de negativo. — Ainda não sei. Eu te ligo de casa, ok? Beijos.

— Eu vou ficar em casa e comer alguma coisa por lá mesmo. Se vocês quiserem ficar, bem. Se não, tudo bem também — responde à pergunta não formulada de Sophie que decidiu, intimamente, encontrar-se com Jesse e deixar Anne digerindo melhor a sua decisão e, para distraí-la, perguntou.

— E aí? Tivemos progressos com Brad? Não adianta mentir porque eu vi!

— Viu o que? — indagou Anne com olhos vazios.

— Eu vi o modo como ele te olhava e é evidente que vocês estão mais próximos — pensou nos sussurros atrás da porta e decidiu não entrar neste mérito. — Vai, me conta! O que foi que eu perdi dessa vez?

— Digamos que foi aprovado na fase um — respondeu Anne com um olhar mais divertido e um sorriso se alargando nos lábios.

— Uau!!! Que coisa boa, Anne! E quando vocês vão para a fase dois? — Anne deu de ombros e respondeu.

— Vai saber!

— Quando foi isso? — continuou Sophie curiosa.

— Foi ontem à noite…

— Claro, enquanto eu estava do outro lado do universo, desacordada e abandonada no hospital. De novo! — provocou Sophie.

— Ah, claro, exatamente… — concordou Anne em tom jocoso e continuou pausadamente. — depois que encontramos você caída em uma igreja com uns quatro padres assustados ao seu lado; depois de chamarmos a ambulância; depois de Paul e eu ficarmos esperando notícias suas por três horas; depois de Brad nos informar que você estava bem; depois de você ter acordado e eu me certificado de que você estava bem de verdade; depois de eu chegar a casa às dez da noite; aí sim, Brad me ligou e foi me ver — e ergueu a cabeça como se ganhasse uma batalha.

— Bom, depois de tudo isso, acho que você merecia mesmo um amasso daqueles, minha amiga. Espero que ele tenha sido à altura — olhou curiosa para Anne e perguntou — Foi? — Anne encolheu os ombros, dobrou o pescoço para um lado, depois para o outro, criando um suspense para então responder sorrindo.

— Digamos que vale uma nota nove.

— Nove? O cara promete! — exclamou Sophie, divertindo-se.

— É, eu acho que sim … — comentou, com um sorriso tímido.

Assim que chegaram a casa, Anne estacionou o carro do outro lado da rua e quase chegando à outra calçada, seu celular tocou.

— É o senhor nota nove? — provocou Sophie. Anne fez-lhe um gesto pouco educado com os dedos e atendeu, enquanto Sophie abria a porta da casa.

Era a segunda vez, em poucos dias, que Sophie passava dois dias no hospital recuperando-se das perdas de consciência. Aproveitou que Anne estava distraída com o doutor Nove ao telefone e ligou para Nancy que sabia apenas que Sophie havia tido outro desmaio. Era ao escuro sobre a conversa com Paul, o passado de Elena e Dolores e a visão com Thomas. Sophie não conseguiria lhe passar todas estas informações por telefone, por isso, combinou de encontrá-la à tarde, na casa de Barkley.

— E, Sophie…? Traga o seu caderno de anotações, por favor.

— Sim, claro — Sophie sequer se lembrava de ter mencionado o seu caderno com ela, mas obviamente, Barkley o fizera. — Até mais tarde, então, Dra. Nancy.

— Até, querida.

— E obrigada — a sua voz tinha uma gratidão quase infantil.

— Não me agradeça ainda, Sophie. Até já.

Quando Sophie desligou o telefone, Anne ainda falava com Brandon, esticada sobre a espreguiçadeira como se fosse um dia de primavera. Sophie sentiu-se feliz ao vê-la rindo e sussurrando. Aliás, era muito conveniente que Anne se sentisse tão relaxada, visto que ficaria furiosa por ter marcado um encontro com Nancy no mesmo dia em que saía do hospital. Mas Sophie não tinha tempo a perder.

Como previsto, Anne − para dizer pouco − soltou fogo pelas ventas.

— Você é mesmo impossível! — o pequeno vulcão em que se transformara Anne extinguia-se lentamente, erguendo as mãos para o alto em sinal de trégua. Uma trégua momentânea. — E nem pense em ir até lá sozinha com Jesse. Eu vou com vocês.

Foi até a geladeira e pegou dois sanduíches de atum que havia deixado prontos na noite anterior. Desembrulho-os com certa violência e colocou-os sobre o balcão. Serviu um copo de suco de laranja para cada uma e perguntou:

— A que horas você marcou com ela?

— Ela disse que podemos ir a qualquer hora — Sophie sentou-se no banco ao lado de Anne, deu uma mordida sem vontade no sanduíche e continuou. — Vou ligar para o Jesse primeiro e ver se ele está a fim de ir também. Ele não está de férias, como nós.

Jesse cancelou tudo o que tinha para fazer durante o resto do dia e em uma hora passaria para apanhá-las. Sophie subiu para se trocar e, enquanto tomava banho, pôde tirar o sorriso fingido do rosto e a leveza no olhar dando lugar à tradicional ruga entre as sobrancelhas. Tinha tantas dúvidas e receios que não sabia por onde começar. Suspirou cansada, com a testa apoiada na parede fria e úmida do box enquanto sentia a água quente deslizando em suas costas.

Será que isso vai ter fim algum dia? Será que consigo mesmo bloquear essa antena de horror na minha mente? Ah, se fosse possível… Daria tudo para ouvir um simples Sim de Nancy. Na verdade, não via a hora de encontrá-la.

Vestiu uma calça jeans, uma camisa branca com babados verticais que lhe caiam até os quadris. Pousou um grosso cinto marrom sobre abaixo da cintura e calçou um par de botas marrom. Maquiou-se ligeiramente, apenas para disfarçar os sinais de cansaço e colorir os lábios e a pele pálida. Passou um foulard pistache em volta do pescoço e desceu para esperar Jesse.

Anne já estava sentada no sofá folheando o álbum de fotografias que Elena lhe havia deixado. Sorriu docemente para Sophie e sentiu saudades de quando eram apenas duas meninas em um orfanato. Seus olhos brilhavam de emoção.

— O que foi, Anne? – indagou sentando-se ao seu lado no sofá.

— Eu estava pensando em Elena… em Dolores… em mim e você — falava em tom baixo acariciando o rosto de um bebê gordinho que sorria para a lente usando um gorro de lã. Sophie ouvia com atenção e um tristeza. Anne tinha o coração carregado de dor e era por sua causa. — Nada na vida é por acaso, você não acha? — continuou Anne, ignorando o sorriso que desaparecia dos lábios de Sophie e acariciando o colar com o nó celta em seu pescoço que ela lhe dera de presente. — Eu nunca tive uma amiga até você chegar. Foi como se os nossos destinos estivesse sido traçados. Eu e você. Elena e Dolores — fez uma longa pausa virando a página do álbum lentamente e a foto seguinte era a mesma do quadro que Sophie encontrara no estábulo.

Sophie sentiu um aperto no peito lembrando-se de toda a angustia que passara naqueles dias. Agora, entendia porque Elena havia escondido toda a verdade. Talvez Elena já tivesse superado a sua dor, mas quando Sophie chegou, com os mesmo problemas de Dolores, deve ter sido um choque para ela, despertando todo o terror vivido décadas antes. Sophie fechou os olhos. Não queria mais se lembrar de nada e concentrou-se na voz chorosa de Anne.

— Sophi, nunca, jamais se culpe por nada, ouviu bem? Nada! — Anne procurava o olhar de Sophie que a evitava e continuou. — Se pudéssemos voltar e escolher mudar alguma coisa, eu não mudaria nada. Desde quando você se sentou ao meu lado, no banco do refeitório, minha vida se iluminou — Sophie engolia o choro, lágrima por lágrima, queimando a garganta de dor. — De tudo o que soubemos do passado da senhora Elena, uma coisa me apavora. Só uma coisa! Perder você — as lágrimas de Anne lhe lavavam as bochechas vermelhas e salientes que contrastavam com a pele pálida. Sophie tentava enxugá-las com os nós dos dedos sentindo as próprias lágrimas rolarem para dentro do seu corpo.

— Shhh… não fale assim, Anne. Nada vai acontecer comigo. Não com você por perto

— e sorriu agradecida. — Eu devo a minha vida a você e acho que isso era o que a senhora Elena mais admirava em você. O meu anjo, lembra? — os olhos escuros de Sophie acariciavam com ternura os olhos verdes e amedrontados de Anne. — A senhora Elena sentiu-se culpada por não salvar a amiga, mas você… você, Anne, sempre esteve ao meu lado, me apoiando, me protegendo de tudo e de todos. Você, Anne. Quem tem que ter medo de perder alguém, aqui, sou eu! O que eu faria sem

você? — Anne saltou sobre Sophie envolvendo os braços em seu pescoço, chorando e soluçando. Não tinha nada que Sophie lhe dissesse que podia amenizar a sua angustia e o terror de perdê-la.

Bring me to Life soou e era o sinal de que Jesse estava chegando. Trocaram um longo e profundo olhar. Sophie limpou as bochechas de Anne com os polegares e sorriram, trocando mil palavras não ditas. Sentiam-se prontas para mais uma batalha. Sophie deu um beijo delicado no rosto de Anne e sussurrou Obrigada. Anne revirou os olhos para cima, tentando conter mais uma onda de lágrimas.

Jesse estava informado sobre quase tudo. Enquanto esperavam notícias de Sophie no hospital, Anne lhe contara a conversa com o advogado Liam, a revelação de Paul, o desmaio de Sophie e a visão de Thomas. Não sabia, porém, que Sophie tomara a decisão de dar início às sessões de hipnose. Mas, depois de refletir um pouco, concordou com ela e Anne bufou baixinho, mas não o suficiente para que Jesse e Sophie não ouvissem, sentados nos bancos da frente do carro.

O caminho para a casa de Barkley levou menos do que o esperado para uma nublada segunda feira. Eram duas e meia da tarde quando Sophie tocou a campainha da casa de John Barkley que, desta vez, abriu-lhes a porta do estúdio.

— Venham, venham! Kate não está em casa, então, achei que poderíamos nos acomodar diretamente no consultório — cumprimentou Jesse, Anne e Sophie com um forte aperto de mão e um sorriso franco nos lábios.

— Claro, não se preocupe, doutor — respondeu Sophie, entrando e seguindo em direção a Nancy que se levantava da poltrona para cumprimentá-la. Usava uma calça cinza claro e uma malha longa rosa antigo, com delicadas tranças ao meio. Os lábios e as bochechas ligeiramente rosados da pouca maquiagem davam cor ao rosto emoldurado pelos cabelos grisalhos e desgovernados.

— Sophie, querida, como você está? — perguntou abraçando-a carinhosamente.

— Estou bem, Dra. Nancy. Obrigada.

— Anne, querida. Jesse… como vão vocês? — e cumprimentou-os com abraços calorosos.

— Chá para todos? — perguntou Barkley, esfregando as grossas mãos sentindo o vento frio que invadira a sala nos poucos minutos em que a porta estivera aberta.

Enquanto John servia-lhes o chá em uma bandeja cuidadosamente arrumada, Sophie e Anne contavam-lhes o encontro com o advogado e todo o resto. Demoraram mais tempo na revelação sobre o passado de Elena e Dolores, obviamente, e Nancy e Barkley as fitavam com atenção.

— E isso não é tudo — enfatizou Sophie para, então, contar-lhes a visão na igreja, Thomas e o nome Claire.

— Claire? Este nome lhe diz alguma coisa Sophie? — perguntou Barkley com uma imensa ruga na testa.

— Não. Nada — um silêncio profundo tomou conta da sala.

Jesse olhava admirado para Sophie. Ele jamais entenderia como alguém poderia suportar o peso de tudo aquilo e ainda irradiar tamanha beleza. Talvez fosse isso que a tornara tão especial para ele. A capacidade de gerenciar tantos sentimentos. Apertou-lhe a mão com mais força do que gostaria, o que fez Sophie voltar-se para ele, lendo em seus olhos a sua admiração. Sorriu-lhe, curvando os lábios rosados em uma meia lua para o alto.

— Sophie — começou Nancy. — Existe um termo científico para casos como o seu e da menina Dolores — disse com a costumeira voz calma e rouca. — Se chama Simbiose Psicológica — Sophie a olhou espantada. — É apenas uma teoria, é claro. Mas foi uma teoria muito difundida e estudada pelos primeiros psicanalistas que, depois, passou a ser mais conhecida como Telepatia que, claro, vocês já ouviram falar, não? — Sophie concordou com a cabeça pensando em como era bom que tudo o que viveram até hoje, finalmente, tivesse um nome. Algo concreto com o que lidar. — Pois bem. Os casos mais conhecidos de Simbiose Psicológica se davam entre pais e filhos ou entre irmãos, pessoas que, de alguma forma, compartilhavam genes, o que não é o caso nem de Elena com Dolores e nem entre você e Elena, mas… E ai devemos colocar um “mas” bem grande — pontuou, gesticulando exageradamente com as mãos
— , é possível que aconteça entre pessoas não parentes, mas extremamente ligadas emocionalmente.

Sim, eu era muito ligada a Elena, eu a amava imensamente! Pensou Sophie e seus olhos transbordavam de ansiedade e dúvidas; sua mão começou a suar entre os dedos de Jesse.

Nancy inspirou profundamente usando as palavras com cuidado.

— A psicanálise é um território vastíssimo. Tente entender assim. Imagine como se você tivesse uma grande antena invisível em sua mente.

— Sim, é exatamente como me sinto desde que o Paul nos falou sobre Dolores — murmurou Sophie, sem mencionar que a chamava de “antena ambulante da dor” ou “antena do terror”.

— Pois bem. Agora, imagine que esta antena seja extremamente potente e seja sintonizada na mesma frequência do pensamento de uma pessoa próxima a você. Não uma pessoa qualquer, alguém que você ame tanto ao ponto de querer fazê-la feliz. Porque é isso o que você, no seu mais íntimo sentimento, almeja. Dar o seu amor e tirar das pessoas todas as dores, porque você sabe muito bem o quanto as lembranças ruins podem doer — Sophie sentia-se encolher, tornando-se pequena e frágil ao som da voz de Nancy. — A sua mente capta este pensamento e o transmite a você em imagens. Algumas pessoas o recebem como sons, ou simples sensações, mas você as vê como um filme, em sons e imagens.

— Sinto cheiros e temperaturas, também… — acrescentou Sophie, sentindo um vendaval de sensações tomarem conta do seu corpo.

— Sim, é possível. Para uma pessoa sensível como você, sim. É como se você passasse a ver e a sentir o que tem dentro da mente do outro, em imagens simbólicas.

Sophie começava a sentir o mundo se revelar aos seus olhos e uma luz intensa invadir a sua mente clareando os seus pensamentos, enquanto ouvia as palavras de Nancy. Tudo começava a fazer sentido, embora fosse um sentido absurdo! Sophie olhava para um vazio à sua frente e as visões começaram a passar rapidamente diante de seus olhos num carrossel de imagens, sons e sentimentos.

— Sophie! Você está bem? — perguntou Anne, agitada.

— Eu… acho que sim.. — respondeu com um fio de voz.

Barkley levantou-se rapidamente, servindo água em um copo na bandeja e colocando-o entre os dedos de Sophie.

— Beba isso, Sophie. Vai lhe fazer bem — disse com voz grave.

Sophie pegou o copo com as mãos trêmulas tentando frear o carrossel desgovernado em sua mente. Sua visão ficou turva e sentiu que estava para entrar, novamente, em um mundo desconhecido. Não, não, por favor, agora não! Gritava em sua mente, tentando agarrar-se a alguma coisa. Ouviu a voz de Jesse ao fundo.

—Sophie! Controle-se! Fique conosco!

As suas mãos falharam e o copo caiu no chão.

O som agudo do estilhaçar de vidro ecoou em sua mente fazendo explodir a sucessão de imagens aparecendo, atrás dela, o rosto de Thomas novamente. Não agora, por favor, me deixe em paz. Não agora! Implorou Sophie, sentindo as lágrimas rolarem em seu rosto numa espécie de transe consciente. Sentia que estava sentada na casa de Barkley, mas estava também ali, naquele lugar em sua mente que, a este ponto, conhecia tão bem. O lugar para onde canalizava tudo o que via.

Claire, seja forte e não tenha medo. Você está indo bem, vamos, garota! Dizia a voz de Thomas em sua mente, embora não movesse os lábios, apenas lhe sorria com uma expectativa angustiante.

O que você quer de mim? Perguntou Sophie, desesperada.

Eu preciso que você venha, Claire. Ela precisa de você. Ela precisa de você!

Deixe-me em paz! Eu não sou quem você está pensando, eu não sei quem você é, por favor, me deixe em paz… Soluçava Sophie, exausta em sua mente enquanto, no consultório, tremia e chorava, mas desta vez, conseguia falar e todos ouviam, pela primeira vez, a voz de uma menina apavorada, aterrorizada diante de mais uma de suas vivências em um mundo que ninguém seria capaz de conhecer, onde ela sempre estivera sozinha, enfrentando os demônios alheios.

Claire, por favor, você tem que acreditar, antes que seja tarde demais! Insistia a voz de Thomas que, pela primeira vez, chorava diante de Sophie, com seus olhos verdes tímidos suplicando por algo que ela não era capaz de entender e, de repente, ele se fora. Desaparecia diante de seus olhos deixando-a sozinha com a sua voz suplicante repetindo e repetindo:

Claire, por favor. Ela vai morrer… ela vai morrer… ela vai morrer!

— Pare, por favor, PARE..!!!!! — gritou Sophie, sentada no sofá com o rosto entre as mãos, escondendo todo o seu terror.

— Shhh… calma, Sophi — dizia Anne, engolindo as lágrimas. — Você está bem. Estamos todos aqui, já passou.

Jesse sentia o coração parar de bater dentro do peito. Se ele pudesse arrancar toda dor de Sophie, ou ao menos aliviá-la de algum modo, o faria sem pensar e puxou-a para os seus braços afagando-lhe os cabelos macios, deixando que Sophie desabasse em lágrimas em seus ombros.

— Sophie, querida, oh, minha querida… — murmurou Nancy, coçando a testa nervosamente com suas unhas cor de rosa, embora se sentisse orgulhosa da jovem a sua frente. — Você está indo muito bem, menina, muito bem! Veja o quanto foi forte e corajosa!

Sophie levantou os olhos sem entender como alguém poderia falar em força e coragem a alguém que estava em lágrimas, sentindo o mundo girar à sua volta, com intrusos constantemente invadindo a sua mente.

— Sim, Sophie, você conseguiu se controlar e isso é fantástico! — exclamou Nancy num misto de euforia e entusiasmo. — Você está aqui, não está? Ficou conosco o tempo todo, enfrentando quem quer que fosse, buscando a verdade, sem perder a consciência nem um minuto sequer.

Sophie enxugava as lágrimas lembrando-se da voz de Jesse chamando-a durante a visão e olhou-o com ternura. Jesse, Anne, Barkley, Nancy, todos eles ao seu lado, amparando-a, oferecendo a ela as únicas coisas que ela realmente precisava: confiança e amor.

— Sophie, você equilibrou as forças dentro de você e não foi fácil, ah, não foi mesmo. Nós vimos isso em seus olhos e ouvimos em sua voz — disse Nancy com os olhos azuis brilhantes.

Sophie espantou-se ao saber que, pela primeira vez, tinha conseguido emitir algum som que não fosse somente dentro da sua cabeça, durante uma visão.

— É um fardo enorme para uma jovem como você, não é? — indagou Nancy.

Sophie não aceitava sentir pena de si mesma, nunca sentiu e não seria agora. Descobriria quem era aquele rapaz e iria atrás de toda a verdade. Nada nem ninguém poderia lhe parar.

— Eu preciso encontrá-lo de novo — afirmou. — E quantas vezes forem necessárias para que eu entenda quem ele é e por que está vindo atrás de mim dessa maneira. Esta “coisa” que eu sou tem que ter alguma utilidade…

Nancy e John se entreolharam sabendo que aquela menina, já tão massacrada por suas vivências, merecia uma resposta. Várias respostas, aliás. Merecia, mais do que tudo, ter paz. E John passou por trás do sofá, pousou a pesada mão sobre o ombro de Sophie e lhe disse calmamente.

— Sophie, tem algumas coisas que você precisa saber que poderão ajudar. Não sei se tem alguma relação com este Thomas, mas é algo que você ainda precisa saber — olhou ansioso para Nancy e continuou. — Nós vamos te ajudar, eu prometo. Apenas ouça, ok? — Sophie virou a cabeça para trás, fitando com os olhos vermelhos e as pálpebras inchadas os olhos miúdos e doces de Barkley escondidos atrás das lentes.

— Por favor, Dr. Barkley, me conte tudo. Eu preciso saber, eu não suporto mais isso…

Ele caminhou de volta à sua poltrona ao lado do sofá, sentou-se e olhou para Nancy que lhe acenou com a cabeça em sinal de aprovação. Sophie sentiu o chão firme sob seus pés, novamente. Baixou as mãos molhadas de lágrimas sobre os joelhos, encarou-os e perguntou.

— O que mais tem para saber? Por favor… — e John começou.

— Quando você veio até a mim, autorizou-me a conversar com as pessoas próximas a você. Lembra-se disso? — Sophie afirmou silenciosamente com a cabeça. — Muito bem. Conversei com Paul e com a senhora Gibson, obviamente. E… devo confessar que ela me impressionou muito. Uma pessoa extremamente boa e humana, algo que não se vê por aí nos dias de hoje… — suspirou, puxou os óculos do rosto e lmpou as lentes em um lenço que tirara do bolso da jaqueta. — Pois bem. Naquele momento, me foi falado somente um pouco sobre as suas visões durante a infância. E é totalmente compreensível, visto que eles tinham um segredo a zelar, mas, alguns meses atrás, a senhora Gibson me procurou e me contou sobre Dolores — Sophie ficou paralisada, enquanto Anne apoiava a cabeça em uma mão com o cotovelo suspenso no ar, imaginando o que mais ainda viria e se Sophie suportaria mais alguma revelação. Olhou pelo canto dos olhos e viu Sophie com as duas mãos envolvidas nos grandes dedos de Jesse. Sentiu-se mais tranquila. — Foi quando eu liguei para Nancy — que concordava com a cabeça — e falei sobre você. Nancy teve uma vaga suspeita sobre a sua capacidade telepática ou simbiótica, mas ela precisava conhecê-la, tentar uma aproximação com o seu subconsciente antes de qualquer afirmação. Foi quando eu insisti com você de irmos mais a fundo na sua terapia, mas, como era de se esperar, você…

— Eu fugi — afirmou Sophie com voz firme, tentando não fazer daquilo uma tempestade em copo d´água.

— Sim, e sabemos por que, não?

— Porque eu tinha medo da verdade.

— Todos temos, Sophie. Todos temos — interveio Nancy.

— Estou vendo… — e pela primeira vez, foi sarcástica.

— Eu sinto muito, Sophie, mas eu não podia simplesmente lhe dizer, naquela época, quais eram as nossas suspeitas. Então, eu procurei Paul, novamente — ah, não, novamente Paul me escondendo as coisas, pensou Sophie, lutando contra um descontentamento que começava a revirar o seu estômago — e analisamos as suas anotações. Você se lembra de quando eu lhe pedi para deixar o seu caderno comigo durante a nossa penúltima sessão? — Sophie não lhe respondeu, apenas piscou e apertou os lábios. — Tentávamos traçar um paralelo entre as suas visões e os fatos concretos que Paul conhecia sobre o passado de Elena, Dolores e…. o seu, Anne.

Anne virou a cabeça para Sophie, que continuava estática encarando John. Virou-se novamente para Barkley balançando a cabeça para os lados num Não silencioso, como se não quisesse saber que, mesmo sem querer, machucara Sophie de algum modo.

— Sim, Anne. Eu sinto muito — disse John, lendo a sua expressão. — Sophie conectou-se com você dezenas de vezes. Com o seu inconsciente, Anne. Você não tinha ideia disso, não provocou nada, na verdade. Era algo que nem você sabia. Ela viu e sentiu os seus medos, mais precisamente o medo que o seu pai sentiu quando você ainda era um bebê.

— Meu pai? Dr. Barkley, eu… eu … eu não faço ideia do que o senhor está falando! — defendeu-se Anne, chocada.

— Nós sabemos que não, querida — disse Nancy, fitando Anne com olhos cúmplices.

— O que Sophie viu, você nunca teve consciência de ter vivido, mas estava lá, no fundo

da sua mente, mesmo que você mesma nem tivesse acesso a ela.

— Continue — ordenou Sophie com a voz mais fria que Anne jamais ouvira sair da sua boca.

— O Homem que Chorava e a sua perda de consciência no banheiro, quando acordou toda molhada, você se lembra?

— Sim — respondeu Sophie, revendo claramente a visão em sua mente e a sensação da água em seu corpo, quando ela e Anne discutiram após a aventura no estábulo.

— Anne, os seus pais morreram em um acidente de carro. Chovia muito naquele dia, segundo me foi relatado por Paul, como consta no relatório da polícia. Seu pai perdeu o controle do carro, batendo violentamente em uma árvore, atingido sua mãe, que, infelizmente, morreu na hora — Anne engolia a seco e, pela primeira vez, tinha uma ideia viva de como seus pais haviam morrido, e isso não era bom. — Você dormia no banco de trás e foi atirada pelo vidro. — Anne levou a mão novamente à boca, sufocando o choro inutilmente. — Seu pai conseguiu sair do carro e pegou-a no colo, provavelmente, com medo de que você tivesse morrido também — John baixou os olhos por alguns segundos, em respeito aos sentimentos de Anne, e continuou. — Foi…

foi assim que a polícia o encontrou. Com você em seus braços, minha querida. Eu… eu sinto muito lhe contar tudo isso, mas vocês precisam saber — Barkley sofria com cada palavra que lhe saía pela boca. Era como se apunhalasse Anne várias e várias vezes; ele sabia, mas não podia fazer mais nada.

Sophie livrou-se das mãos de Jesse e abraçou a amiga com força, querendo colocá-la em segurança, dentro do seu peito, para que ela não escutasse mais nada. Sabia o que o pai dela tinha sentido, pois ela o viu, era o Homem que Chorava, com Anne em seus braços, naquela floresta. E ele sofrera muito, Sophie sabia e Anne o tinha visto também, mas, felizmente, não se lembrava. Até agora. Anne soluçava nos braços de Sophie e a única coisa que pôde dizer foi:

— Desculpe, Sophie. Eu sinto muito!

— Anne, está tudo bem! Por que me pede desculpas? Você não sabia de nada! — dizia Sophie mantendo a amiga em seus braços — Sou eu quem sente muito, Anne. Sinto muito mesmo! — apertava com força a amiga, deixando que suas lágrimas lhe banhassem a blusa e o foulard. Sophie não conseguia distinguir a raiva da dor, da tristeza, da impotência. Era um misto de emoções que lhe despedaçavam por dentro.

— Desculpe, Sophie. Se eu soubesse, se eu pudesse… — repetia Anne com palavras que mal se entendiam. Queria apenas chorar e apagar o passado que, a esta altura, feria tanto uma quanto a outra.

— Não, Anne. Não diga nada, por favor. Já passou — forçou Anne a desenroscar-se de seus braços, ergueu a sua cabeça com delicadeza e continuou. — O importante é que nós vamos ficar bem. Precisamos passar por isso e depois, tudo vai acabar bem. Ok?

— olhava com compaixão para a sua amiga de infância, o seu doce anjo, e sorriu. Anne lhe sorriu de volta, limpando as lágrimas em lenços de papel amassados entre os dedos e murmurou tentando se recompor.

— Está bem… eu estou bem, Sophi. Vamos continuar — ergueu os ombros e endireitou a postura. Ela tinha que ficar bem.

Sophie olhou para John e não conseguiu sentir raiva, apenas tristeza. Via em seus olhos o quanto fora difícil para ele esconder tantas informações, mas a culpa não era dele. Tinha sido ela, Sophie, a abandonar a terapia e, agora, lembrava-se muito bem das inúmeras vezes que Barkley lhe falara sobre a hipnose e o quanto insistira para que continuassem com as sessões. Mas Sophie não quis nem uma coisa, nem outra. Simplesmente fugiu, como sempre. Escondeu-se em seu trabalho para não ouvir os gritos em sua mente. Gritos de pessoas que ela amava!

— Continue, Dr. Barkley. Estamos bem, não se preocupe — disse, com a sombra de um sorriso nos lábios, olhando rapidamente para as próprias mãos e erguendo novamente a cabeça.

— Agora, meninas — começou Nancy —, sabemos a origem de algumas das visões, mas não de todas. Thomas, por exemplo. Acho que estamos de acordo que nos falta um elo, certo?.

— A senhora acha que tem algo a ver com o … meu pai? — perguntou Sophie, desejando que a resposta fosse Não.

— Não sei, Sophie. Você acha? — devolveu-lhe a pergunta como uma boa profissional.

— Eu não sei — respondeu confusa. — Eu não faço a menor ideia, Dra. Nancy.

— O que você sente com relação a ele? — perguntou Barley e Sophie se sentiu como em uma das suas inúmeras sessões de terapia, novamente, e respondeu de pronto.

— Estou sempre tão confusa, sozinha e amedrontada quando ele aparece que é difícil saber se o que sinto é por causa dele ou não — olhou para dentro de sua mente e continuou. — Thomas não me assusta e sei que não quer me fazer mal. Sinto que ele precisa de mim, ou de Claire — deu de ombros. — Talvez ele ache que eu possa ajudar essa tal Claire, ou que eu seja essa Claire.

— Precisamos saber, Sophie — disse Nancy, com o corpo ligeiramente inclinado para frente e os braços apoiados nas laterais de sua poltrona. — Ele é a chave para estas últimas visões e, quem sabe, para muitas outras do seu passado. Eu tenho certeza disso.

Jesse não dizia uma palavra. Processava as informações internamente e sentia necessidade de proteger a mulher que amava, mas, também, um orgulho dela que lhe ardia o peito. Sophie era mais do que uma mulher linda e determinada, era surpreendente e corajosa, e ele precisava ajudá-la a sair deste furacão. Só na sabia como. Sentia-se impotente e inútil.

— Eu gostaria de saber uma coisa… — pediu Sophie.

— Tudo o que você quiser, minha querida. Diga — respondeu Nancy, sorrindo.

Sophie tirou o caderno de anotações de sua bolsa, passou rapidamente as folhas e disse ainda com os olhos para baixo vendo o passar das páginas em seus dedos.

— Por que, em todas estas visões, eu nunca vi o meu pai? Ou algo que esteja relacionado a ele? Não que eu queira… — murmurou e depois se calou por um instante, criando coragem para enfrentar mais aquele monstro em sua vida. — Quer dizer… ele não deveria estar? — indagou, erguendo os olhos curiosos para John e Nancy.

— Sophie, algumas pessoas escondem tanto as suas dores de si mesmas que são incapazes de contatá-las. Elas estão aí, sim, em algum lugar, muito escondidas — Sophie inspirou profundamente, sabendo bem porque o fizera e temia revê-las, mas queria entender o mecanismo deste complexo mundo que criara dentro de si mesma. — Você as escondeu muito bem para proteger a si mesma, minha querida. Isso é muito comum. Algumas crianças que passam por momentos difíceis como você passou querem tanto esquecer que fingem que a parte escura do passado nunca existiu. Mas as lembranças estão aí e irão aparecer um dia.

— Mas eu não quero! Não quero contatar nada que se refira e ele — afirmou, sem hesitação em sua voz — Nada. — seus olhos endureceram e perderam o brilho lembrando-se do quanto lhe fizera mal somente a visão daquela fotografia do seu pai com uma pequena Sophie nos braços.

— Sophie, cada coisa na sua hora. Vamos com calma, ok? — sugeriu Jesse, conseguindo fazer sair algumas poucas palavras da sua boca.

— Sophie, você é mais forte do que imagina. Eu tenho certeza de que você vai trilhar um caminho de autoconhecimento muito rico e produtivo para você mesma — as palavras de Nancy acariciavam os ouvidos de Sophie que, por alguma razão absurda, acreditava nela. Acreditava no seu poder de controlar a si mesma. Afinal, vinha fazendo isso há tantos anos! Controlando para não enlouquecer!

— Quando podemos fazer a sessão de hipnose, Dra. Nancy? — perguntou Sophie mantendo o olhar firme e impenetrável, como se algo tivesse sido apagado dentro dela, e Anne baixou a cabeça em desespero.

— Assim que o Dr. Brandon puder — respondeu Nancy, disponível.

— Ótimo. Vou falar com ele e tentar marcar para os próximos dias — disse, fechando o pequeno caderno em suas mãos e oferecendo-o à Nancy. — Pode guardar com você.

Acho que não precisamos mais dele por hoje — e sorriu, palidamente.

— Sophie, eu sinto muito que você esteja passando por isso, mas tenho certeza que vamos conseguir encontrar as respostas que você procura — olhou em volta e emendou. — Você não está sozinha.

Sophie exibiu novamente um sorriso fantasma, tentando acreditar, tentando manter a força dentro de si e lembrou-se do que Thomas lhe dissera: Foi um caminho longo até aqui. Vai ser mais fácil, agora. Confie em mim. Sophie não sabia por que, mas confiava e estava disposta a deixar-se levar da próxima vez.

Meia hora depois, Jesse, Anne e Sophie estavam no carro voltando para casa. Jesse não largava a mão das mãos de Sophie, e Anne, por várias vezes, segurou para não cair em lágrimas novamente, pensando em seu pai, na dor que deveria ter sentido ao pensar que ela estava morta em seus braços. Pensava em Sophie e em quantas vezes deve ter carregado as suas dores sem que ela nem mesmo suspeitasse. Pela primeira vez, não sentiu ciúmes de Jesse nem medo de que um dia pudesse ficar longe da sua amiga. Sophie merecia ser feliz, merecia ter uma vida livre de toda aquela agonia e uma última lágrima escapou-lhe dos olhos.

Sophie sentia-se exausta, como se o mundo tivesse passado por cima do seu corpo. Mas não era o mundo, eram apenas vinte anos de perguntas que, agora, começavam a ser respondidas e, se ela realmente quisesse ir mais fundo, deveria fazer uma coisa.

Tinha que falar com Paul.

Continua na próxima semana…

bruno

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