Alguns comentários depreciativos sobre a decisão do Alain Delon, de encerrar sua vida por meio de uma eutanásia assistida, revelam a intolerância de pessoas apegadas ao dogma cultural/religioso de que a vida não nos pertence, é um dom de Deus que deve ser cumprido à risca, até o último suspiro.
Apesar de não compartilhar o mesmo ponto de vista sobre a vida e a morte, abstenho-me de debater conceito religioso que rege e sustenta a fé de milhões de indivíduos.
Contudo, causou-me espanto a argumentação de alguns posts que atribuem a radical decisão do Delon como um surto vaidoso e covarde de um homem que teme a perda da beleza e do protagonismo social e tem horror a decadência e à velhice.
Esse ponto de vista pejorativo e reducionista desconsidera fatores muito complexos, que passam ao largo do verdadeiro motivo que levou Alain Delon a decidir pela eutanásia assistida.
Ora, fosse a radical decisão do Delon um surto de vaidade extrema e medo da velhice, como justificar o protocolo médico aplicado em alguns países que garante aos viventes, enfermos terminais ainda conscientes, o direito de dar fim a um longo sofrimento?
Seriam esses médicos instrumentos da indústria do suicídio assistido?
Se a resposta for sim, surge um fator mais complexo que incide sobre a indústria da sobrevida mantida por aparelhos.
Delon já trilhou mais de oito décadas de vida. É um homem realizado, sensível e inteligente para analisar sua perspectiva de vida restante.
Compreensível que para espiritualistas, a decisão autônoma e consciente de Alain Delon viole o dogma religioso.
Para esses, o julgamento religioso terreno, criado pelos homens, precede a apreciação de Deus. Visto assim,a decisão de Delon contraria a vontade divina de ‘elevação espiritual’ dos enfermos terminais.
Para mim é inconcebível imaginar Deus como última instância do julgamento dos homens.
Porém, para as pessoas que exigem estoicismo dos outros, Delon está deixando essa vida porque é covarde, não suportou a perda da beleza e protagonismo social, simples adereços dispensáveis da existência(sic) mas que tem grande valor pra essa ‘gente superficial’.
Para esses estoicos exemplares, que determinam a boa conduta existencial dos outros- uma espécie de fé racionalista- Delon é um tolinho que vai para morte como mais uma vítima indefesa da tortura estética.
Argh! O teatro da vida está lotado de diretores de desempenho e interpretação existencial.
Para sorte da civilização, esses diretores de desempenho existencial são influencers efêmeros, desprovidos de potência criativa. Não deixam um legado substancial após a extinção.
Os dinossauros,sim! Sua existência foi muito mais significativa para o entendimento da espécie humana sobre o fenômeno da vida no planeta.
Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial “Em Busca da Essência” Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.