26 de abril de 2024
Adriano de Aquino Colunistas

O ócio tem suas virtudes

O confinamento e as recomendações do médico para boa recuperação da cirurgia no ombro me levaram a fazer coisas que não faria caso estivesse em condições de enfurnar no ateliê e nos eventos mundanos.

Ontem, vasculhando caixas de livros velhos guardadas há tempos no sótão, deparei com um fenômeno de ordem aleatória. Ao fuçar o conteúdo de uma das caixas dei de cara com três livros que li tempos atrás que muito me influenciaram no modo de ver a vida e pensar o mundo. O ‘achado’ me levou a cogitar sobre um paradoxo contemporâneo.

Não sou um sujeito disciplinado, não organizo ou guardo livros por temas. Porém, qual não foi minha surpresa quando retirei de uma pilha três livros na seguinte ordem. Primeiro “O Abolicionismo” de Joaquim Nabuco. Em seguida “A Cabana do Pai Tomas” da Harriet Beecher Stowe e logo a seguir “Memórias de um Caçador do Ivan Turguêniev.

Curiosamente, os três livros não foram lidos nessa ordem, sequer em tempo muito próximo.

Porem, hoje, colocá-los lado a lado, alinhá-los com o tema da escravidão/servidão, o status social dos autores e os desdobramentos sócio cultural dessas obras, uma questão inusitada despertou meu interesse.

Os três autores de distintas nacionalidades tinham algo em comum, além dos ideais libertários.

Joaquim Nabuco foi educado por uma família escravocrata. Harriet Beecher Stowe era filha de um pastor com posses e neta de um general das tropas de Washington e Ivan Turguêniev era filho de uma rica família de latifundiários que explorava a servidão dos camponeses.

Tirante a diferença de estilos, o livro de Joaquim Nabuco era um libelo contra a escravidão que se tornou uma obra de referencia do abolicionismo no Brasil, o do Ivan Turguêniev, um livro de contos sobre a sofrida vida dos camponeses russos oprimidos pela servidão e o romance da Harriet narra o sofrimento e as injustiças contra negros escravizados nos Estados Unidos, em plena luta abolicionista.

A Cabana do Pai Tomás, bem como a Memoria de um Caçador foram lançados no mesmo ano(1852) e obtiveram grande sucesso.
O Abolicionismo, de Joaquim Nabuco, lançado 30 anos depois(1883)”Era para ser um livro panfletário, mas O Abolicionismo tem o peso de um documento de condenação moral e ética da escravidão. ” O nosso caráter, o nosso temperamento, a nossa organização toda, física, intelectual e moral, acha-se terrivelmente afetada pelas influências com que a escravidão passou trezentos anos a permear a sociedade brasileira”, escreveu Nabuco.

O Paradoxo

Hoje, com a expansão da cultura do ‘cancelamento’, o estimulo dos radicais para a derrubada de ícones do passado com a premissa de serem brancos e ricos, a pichação e exclusão cultural de expoentes da cultura que tiveram grande peso sócio cultural nas lutas libertárias e que ,apesar de pertencerem à elite branca dessas nações e terem contribuído efetivamente para o fim da escravidão e da servidão humana, apaga da historia esses ícones libertários?

Adriano de Aquino

Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial "Em Busca da Essência" Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.

Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial "Em Busca da Essência" Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.

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