12 de outubro de 2024
Erika Bento

O futuro está bem aqui


Quarta feira, fui à escola da minha filha para a apresentação de fim de ano. Normalmente, sabemos o que vem pela frente. Dúzias de recitais, danças, músicas, encenações e a pais fazendo força pra mostrar que estão adorando. Sem contar nas crianças, coitadas, a maioria delas morre de vergonha. Enfim, horas de agonia para ambas as partes. Isso, se você for realmente sincero e admitir que, no fundo, o que interesse mesmo é o seu filho. E quando ele aparece, ah… tudo se torna lindo. Ele erra os passos, desafina, mas tudo bem! Você sente aquele orgulho imenso.
Bem, lá estava eu, sentada na segunda fileira de cadeiras colocadas no meio de um ginásio de esportes circular. Diante de mim, uma breve ideia do que estava por vir. Um palco improvisado com o que parecia ser a manjedoura. Tudo bem. Que venha. Tudo pelo espírito natalino, pensei. Poucos pais estavam presentes. Afinal, eram quase duas horas da tarde e a maioria estava trabalhando. Passei alguns minutos analisando a decoração. Tudo feito pelas crianças.
O ginásio tem o pé direito muito alto e se pode ver o corredor do segundo andar, como um mezanino. Meu coração começou a amolecer ao ver as crianças que saíam das salas, todas uniformizadas e eu acho os uniformes daqui tão lindos! Elas foram descendo as escadas e se acomodando nas laterais do ginásio, sentando no chão, como uma extensão do palco de ambos os lados. Olhei para trás e, para minha surpresa, vários pais haviam chegado e o ginásio estava lotado.
Duas horas em ponto, as luzes se apagaram e apenas um manto de luz caia direto sobre a manjedoura. Após brevíssimas palavras da professora, faz-se um silêncio mortal. Cerca de de duzentas crianças e talvez uma centena de pais mudos, até que uma voz angelical surge no andar de cima. Posicionadas no segundo andar, as crianças do último ano escolar (equivalente a quinta série no Brasil) dão início a um coral de vozes. Arrepiei e senti minhas pálpebras trêmulas, minha boca tendendo a curvar-se para baixo e a garganta apertar. Fiquei firme.
No final do breve coral, uma menina surge no palco, usando suas roupas comuns e apenas uma girlanda vermelha sobre os cabelos, nos fala sobre o anjo Gabriel que vem avisar Maria sobre o nascimento do menino Jesus. Tão logo finaliza, outra leva de crianças se levanta à minha esquerda e canta uma música animada, tipo gospel, sobre o milagre da vida, da união, da fé e coragem. A esta altura, meus olhos já lacrimejavam. Cada ato sobre o nascimento de Cristo era intercalado com um grupo de crianças que se levantava de um lado do ginásio e cantava outra canção. Às vezes, todas as crianças acompanhavam o grupo líder, pelo simples fato de saber a música e querer dar aquela força para os colegas.
Minha filha estava, por sorte, no grupo bem perto de mim, mas por incrível que pareça, eu não a via somente. Via todas as crianças, de todas as raças e cores. Até crianças muçulmanas estavam ali, cantando e festejando, o nascimento de um menino que ela nem sequer acredito ou idolatra, com seus pais sentados, observando orgulhosos, talvez.
Uma mãe muçulmana (sei que era por causa do véu, é claro), estava atrás de mim e eu podia ouvi-la cantando algumas das músicas, talvez tenha treinado em casa com a filha, ou o filho. Embora a celebração fosse sobre o nascimento daquele que deu início à maior religião no mundo, o foco não era a crença, mas o amor e, disso, as crianças entendem. E nos mostraram isso. Talvez tenham mostrado para os pais, também. E lá estavam elas e todos nós para cantar a igualdade entre os homens, como foi, realmente, o mote da última canção, com todas as duzentas crianças em pé, numa única voz, um único coro, um único apelo.
“You are my brother,
You are my friend.
You are my sister,
Our love should never end.
Whatever colour
Our skin or our hair,
Let us live together.
This is our prayer”
(Você é meu irmão, você é meu amigo, você é minha irmã, nosso amor não deveria acabar. Qualquer que seja a cor, nossa pele ou nosso cabelo, vamos viver juntos, esta é a nossa oração.)
Chorei durante a canção toda, olhando aquelas crianças, e pensei: este é o futuro do nosso Planeta, o futuro de cada cidade e nação. Que os homens saibam protegê-las, amá-las, respeitá-las e ajudá-las a se tornar adultos melhores do que nós, porque a elas cabe ser o professor de amanhã, o político, o bombeiro, o policial, não o traficante ou o drogado e assaltante. Não! Que este não seja o futuro de mais nenhuma criança neste mundo.
E quanto mais eu pensava e rezava por isso, mais aqueles olhos brilhantes, cheios de esperança e alegria me olhavam de volta, felizes e satisfeitos, cantando a canção da igualdade e do amor.
artigo publicado em 10/01/2014

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