30 de abril de 2024
Erika Bento

De volta ao aconchego

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Esta foi a sensação que tive quando cheguei pela primeira vez a Solihull, uma pequena cidade nos arredores de Birmingham considerada, até 2015, a melhor cidade para se viver em todo o Reino Unido. Ano passado, ela perdeu o posto para Edimburgo, na Escócia, mas ainda mantém o título de melhor cidade na Inglaterra. E foi exatamente por isso que decidimos arrumar as malas e virar a nossa vida de cabeça para baixo. Na verdade, começou um pouco antes, com a necessidade de fugir de Londres.
Viver em Londres pode ser muito atraente para quem está de fora. E não vou dizer que não seja bom. É sim. A cidade é extremamente funcional, organizada, moderna e linda! Mas, como toda cidade grande, o custo de vida é alto, e não falo somente do custo financeiro. Morar em Londres é cerca de 15% mais barato do que em Nova York, por exemplo, mas mesmo assim o alto custo empurra muita gente para os arredores da cidade e como os bairros oferecem toda a infraestrutura necessária para se viver bem, o que pode ser muito conveniente pode também nos manter longe da quarta cidade mais visitada do mundo. O que acaba acontecendo é que você não mora realmente em Londres e raramente visita a cidade.
No meu caso, como eu trabalhava no coração financeiro da capital inglesa, eu tinha o privilégio de passar todos os dias por pontos que atraíram mais de 17 milhões de turistas, em 2014. A London Bridge, o The Shard (a mais alta construção da cidade), o “The Walkie-Talkie” e o “The Gherkin” estavam no meu caminho (a pé) da estação de trem ao trabalho. Confesso que caminhar pela London Bridge faz você se sentir como parte importante de algo grandioso, mas é tudo uma ilusão. Com os recentes atentados terroristas pela Europa, então, eu estava sempre alerta, receosa do que poderia acontecer principalmente em um destes pontos turísticos ou na estação de trem sempre movimentada. Todo o glamour fica ofuscado por uma realidade esmagadora.
A rotina londrina suga você de uma maneira que não sobra energia, tempo ou dinheiro para viver o que os milhões de turistas anseiam e, depois de três anos e meio sendo arrastada pela esteira frenética do dia a dia daquela cidade imensa, encantadora e exaustiva, era hora de dar uma guinada, catapultar-me para um lugar distante e traçar um futuro. E, como sempre, o Universo disse “amém” e abriu uma fresta de luz. Uma oportunidade de trabalho surgiu para o escritório do banco, em Birmingham. Uma promoção interessante, mas principalmente por nos dar a chance, a mim e à minha família, de ter uma vida diferente, mais próxima da que tivemos um dia na pequena e encantadora cidade de Reggio Emilia, na Itália.
Birmingham, porém, é uma Londres um pouco menor (e bem menos charmosa), não era isso ainda o que eu queria. Pesquisando na internet, encontrei Solihull e me apaixonei pela cidade. Ótimas escolas, saúde pública de qualidade, shopping center, academia completa com piscina coberta, enfim… a cidade é um paraíso em miniatura, inclusive para os amantes de carros: é aqui que fica a única fábrica da Land Rover no mundo (com tour para visitantes com direito a test drive e um dia de “Land Rover Experience”, a pagamento).
Foi um período de muita ansiedade, entre entrevistas para a promoção, procurar uma casa e escola para minha filha, enfim, tudo o que uma mudança de cidade exige, mas finalmente, dois meses depois, estávamos entrando pela primeira vez no que seria o nosso lar dali em diante. Uma casinha pequena e deliciosa, com um gramado na frente e outro nos fundos, uma sala com lareira e uma janela bay window. Tudo bem típico de um subúrbio britânico de classe média. Um sonho que eu achei que não fosse conseguir realizar tão cedo. A casa não tem cercas brancas porque aqui não precisa de cerca ou muro para se proteger. Não tem do que se proteger. Solihull tem cerca de 200 mil habitantes incluindo treze subúrbios, todos muito arborizados, organizados e seguros. Eu moro em um destes privilegiados bairros.
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Levo quarenta minutos da porta da minha casa à minha mesa de trabalho, em Birmingham, que fica a 32 quilômetros de distância. O trajeto inclui uma caminhada de quinze minutos, um percurso de trem de vinte e mais cinco minutos de caminhada até o escritório. O trem é tão confortável e limpo quando o que eu usava em Londres. A grande diferença está na caminhada até a estação… Hoje, posso escolher entre uma estradinha que passa por pequenos núcleos de não mais do que dez casas separados por uma vegetação nativa habitada principalmente por esquilos (que me acompanham correndo entre os galhos fazendo as folhas se agitar e emitir um som como se houvesse um bando de macacos faceiros escondidos nos galhos altos e cheios) ou um parque cujo centro é marcado por um lago onde cisnes e patos selvagens se banham no que parece ser uma água gelada. Todos os dias, enquanto caminho para o trabalho – com um sorriso nos lábios -, não posso deixar de comparar as duas realidades e ter certeza de que fizemos a escolha certa, embora já tenhamos percebido que a cidade também não é perfeita.
Sinto falta da eficiência do transporte público de Londres. Não é exagero dizer que você não precisa de carro para se locomover na grande capital britânica. Ônibus, metrô e trem levam você de um ponto ao outro a qualquer hora do dia ou da noite dentro de uma área de mais de 1.500 quilômetros quadrados. Em Solihull não é assim. Ônibus tem, mas não são com a mesma frequência nem com itinerários funcionais para as minhas necessidades (escola, trabalho, centro da cidade). Os pontos de ônibus também não têm os avisos eletrônicos de tempo de espera e dentro dos ônibus também não tem o aviso sonoro com os nomes das paradas.
Outra coisa que me incomoda, às vezes, é que como moro em um bairro estritamente residencial, não há sequer um supermercado ou mercearia em num raio de um quilômetro e meio. De novo, é ótimo para fazer uma caminhada, mas não para carregar sacolas na chuva. Felizmente, sempre se pode contar com as entregas em domicílio. Faço compras semanais online e entregam na porta da minha casa. Problema resolvido. Ou, em um dia ensolarado como o de hoje, vou caminhando mesmo.
Nesta semana, fomos fazer a nossa inscrição no médico do bairro. Passada a fase de apresentação dos documentos para provar a residência, foi hora de passar pelos exames de rotina com a enfermeira. Pressão, peso, altura, fatores de risco, etc. Fomos informados que se o paciente usa uma medicação contínua pode solicitar a receita por email. Dois dias depois, basta ir ao GP, como chamamos aqui (General Practice), e retirar a receita. Embora isso possa parecer bom, em Londres era melhor: tudo é feito através de um aplicativo no celular (agendamento de consulta e requisição de medicamento). Aqui, é a base de email e telefone mesmo.
O custo de vida em Solihull é menor, embora alguns impostos locais sejam maiores, como o IPTU. No bairro onde escolhemos para morar, pagamos o dobro do que eu pagava em Croydon, na periferia de Londres. O aluguel, por outro lado, é em geral 25% mais barato e o transporte pode ficar até a metade do preço, dependendo das regiões por onde você vai circular. Comer fora, em Solihull, é também quase a metade do preço dos restaurantes equivalentes, em Londres. Já nos supermercados de rede nacional, o preço é o mesmo, assim como roupas nas lojas de grifes mais conhecidas.
No balanço geral, nos surpreendemos ao ver que os valores finais acabam sendo os mesmos! Viver em Solihull ou em Croydon tem o mesmo custo financeiro, mas a semelhança termina aí. As ruas são mais limpas e as pessoas mais amigáveis, mas acima de tudo, chegar em casa no final do dia e ver minha filha andando de patins ou bicicleta na rua onde não há cercas nas casas e o índice de criminalidade é tão baixo que a maior ameaça terrorista que existe é o gato andarilho que entrou sorrateiramente na nossa cozinha e se fartou da comida do nosso gato, já é um lucro e tanto!

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