
Tenho pena do Bolsonaro. Não, não é ironia nem sarcasmo. É pena mesmo. Piedade. Compaixão. Chame como quiser. Porque, para mim, Jair Bolsonaro nunca quis ser presidente da República. Isso é uma tragédia: a do homem sobre o qual toda uma multidão deposita suas esperanças, das mais nobres às mais tolas, mas que não tem vocação para aquilo. Porque não se conhece. E que, por não se conhecer, ou por se deixar levar pelo atraente canto do poder e das multidões, acaba tendo de bancar o líder, o mito, o símbolo, o salvador, sei lá. Só sei que tenho pena do Bolsonaro.
Quando paro para tentar encontrar o homem por trás do personagem, sofro. Me compadeço. Tenho pena. Afinal, Jair Bolsonaro tinha tudo para ser apenas um rodapé anedótico na história política do país. Um parlamentar folclórico, conhecido por frases de efeito, uma caricatura que alimentava as charges dos jornais. Até que a facada mudou o curso da vida e da história. A facada tornou a eleição de Bolsonaro inevitável e, para mim, quando e se ele percebeu era tarde demais. O fardo já tinha sido colocado sobre os ombros dele, que naquele momento vestiu uma fantasia que não lhe cabia. Por isso não me canso de repetir: tenho pena de Bolsonaro.
Orgulho teimoso
Passo vergonha nas páginas desta Gazeta do Povo e nos bares da vida dizendo que tenho pena de Bolsonaro. Como assim?! Por quê?!, me perguntam, entre a surpresa e a indignação, os amigos antibolsonaristas. Explico: é por causa dessa coisa toda da vocação. A vocação que Bolsonaro não tem, infelizmente não tem, está na cara que não tem – até ele sabe disso. Sabe, mas não reconhece e não aceita, porque é insuportavelmente humano em seu orgulho teimoso. Ora, não somos todos nós? Eu mesmo respondo que sim e emendo: tenho pena do Bolsonaro.
Tenho pena de Bolsonaro desde que percebi que ele, por falta de vocação e formação, por ser, com todo o respeito, tosco, tinha se cercado de uns escroques que, olha, vou te contar! Mas a pena aumentou depois que o vi num comício, em 2022. Cansado. Triste. Quase constrangido de estar se submetendo àquilo. Naquele momento, tive certeza e pena. Sempre pena. Porque, se em 2018 Bolsonaro não queria ser presidente, e não queria, tampouco queria ser reeleito. Mas não tinha coragem de aceitar. Encarava aquilo como destino, fado, danação. E, novamente: quem tem coragem de se reconhecer pequeno, falho e humanamente incapaz quando todos os sinais da história parecem contradizer essas imagens?
Repugnantemente humano
Pode rir à vontade, hahahahaha, que trouxa esse cara! Porque, se me falta a vergonha, me sobra a pena. Pode escarnecer à vontade. Por falar em escárnio, entendo perfeitamente os que viam desde sempre ou passaram a ver Bolsonaro como um inimigo a ser destruído. Uma verdadeira representação do mal. Por causa da admiração pelos milicos, por causa das frases infelizes durante a pandemia e por causa das bravatas; pelo suspense que culminou no 8 de janeiro, pelas hesitações e contradições que devolveram o poder ao PT. Juro que entendo e respeito. Mas insisto na pena e, nesse caso, acrescento: Bolsonaro nunca teve vocação para ser o líder perfeito pelo qual o brasileiro de direita tanto ansiava, muito menos o adversário ferrenho com a qual a esquerda sonhava.
Ele é humano. Acrescento: Bolsonaro é insuportável e repugnantemente humano. Daí a autenticidade, que muitos chamam de tosquice, e daí minha pena, que aumenta a cada parágrafo deste texto. Pena que transborda quando me dou conta de que é nessa autenticidade tosca que está a humanidade de Bolsonaro. Uma tosquice que, se me causa alguma repulsa, e causa, é porque me vejo nela também. Convenhamos: somos todos toscos nessa coisa de defendermos nossas opiniões, nossas paixões, nosso grupo e nossos líderes. Pena, pena, pena. Mais pena. Agora também um pouco de mim e de você.
Inocente disso
Tenho pena e quando digo que tenho pena sempre surge alguém para argumentar que Bolsonaro está rico, mora bem, recebeu 19 milhões só em doações de apoiadores, etc. Não importa. Desde quando dinheiro se tornou a medida de todas as coisas? Outro diz que os filhos são isso e aquilo. Concordo e, só para variar, tenho pena de um pai que, por ignorância ou sei lá o quê, não impediu que os filhos entrasse para essa vida desgraçada que é a política. Ainda mais a política que se faz sem vocação. Nessa de contra-argumentar, sempre tem um que chega para dizer simplesmente que estou errado, que sou um idiota, que vou me arrepender. Posso estar, ser e ir. De fato, Bolsonaro pode ser um grandessíssimo efedepê que me enganou e enganou milhões. Se for, contudo, não será o primeiro. Nesse caso, pedirei desculpas. Mas, por enquanto, sinto pena.
Pois é. Agora Bolsonaro está aí, sendo julgado por uma corja para a qual me faltam qualificativos. Usando tornozeleira eletrônica, sem poder sair de casa. Sendo humilhado. Uns dizem que ele chora, outros que está abatido e há quem diga que ele já largos os bets. Bolsonaro que já foi condenado e em breve estará preso. Ou seja, um homem digno de mais sincera pena. Não porque seja inocente. Pelo contrário, ele está longe de ser inocente. Mas quem é que se pode dizer verdadeiramente inocente nessa história toda, não é mesmo? Não, Bolsonaro não é inocente, mas é inocente disso.
Fonte: Gazeta do Povo

Jornalista, tradutor e escritor.