Na última semana, um caso chocante expôs uma ferida aberta na sociedade brasileira: o poder descontrolado da influência digital. O influenciador Hytalo Santos, conhecido por sua estética de ostentação e pelo público jovem que o seguia, foi preso junto ao marido, Israel Nata Vicente, sob acusações gravíssimas de tráfico de pessoas, exploração sexual infantil e trabalho infantil artístico irregular. A prisão, ocorrida em Carapicuíba (SP), foi resultado de uma investigação conduzida pelo Ministério Público da Paraíba e pelo Ministério Público do Trabalho.
O caso só ganhou ampla repercussão depois que outro criador de conteúdo, o youtuber Felca, publicou o vídeo “Adultização”, denunciando a exposição de crianças e adolescentes nas redes sociais de Hytalo. O vídeo viralizou, ultrapassando 42 milhões de visualizações, e colocou uma lente de aumento sobre um universo muitas vezes romantizado: o das celebridades digitais que moldam comportamentos e valores no Brasil.
A cronologia do caso revela a gravidade da situação. Em 6 de agosto, Felca expôs as práticas envolvendo crianças em vídeos de Hytalo. Dias depois, a Justiça determinou a suspensão de todos os perfis do influenciador e expediu mandados de busca e apreensão. A prisão preventiva veio em 15 de agosto, após uma força-tarefa encontrar indícios que sustentam as investigações. A defesa do influenciador nega as acusações, mas o escândalo escancara algo maior: a quem interessa essa indústria da influência?
Por trás da imagem de lifestyle perfeito, há uma engrenagem bilionária que não sobrevive só com publis inofensivas. Investigações e análises já apontam que parte desse ecossistema é financiado por estruturas criminosas. O crime organizado percebeu nas redes sociais uma vitrine poderosa: dinheiro ilícito é lavado através de patrocínios e contratos informais, enquanto se constrói uma imagem aspiracional que legitima comportamentos à margem da lei.
Além disso, setores exploratórios, como casas de apostas e plataformas ilegais, injetam dinheiro pesado em influenciadores. Essa parceria é disfarçada de entretenimento, mas dissemina uma ilusão de “dinheiro fácil”, prendendo jovens em ciclos de dependência financeira e emocional.
Não é só sobre ostentação: há também um projeto ideológico em curso. Estruturas políticas se apropriam dessa lógica para infiltrar narrativas, aproveitando influenciadores para moldar opiniões e direcionar votos. A política da desinformação encontrou um palco perfeito na cultura de engajamento a qualquer custo. O que parece entretenimento pode ser, na prática, um cavalo de Troia para manipulação ideológica.
Outro pilar dessa engrenagem é corporativo. Marcas constroem castelos de areia para normalizar uma vida inalcançável. Entre filtros, viagens de luxo e carros importados, vendem a ideia de que felicidade e sucesso são compráveis, e que qualquer um pode chegar lá. A verdade? É um roteiro publicitário maquiado de vida real, e milhões consomem essa ficção acreditando que é possível replicá-la.
Enquanto isso, influenciadores acumulam fortunas discutindo trivialidades ou performando estilos de vida artificiais. E, no mesmo país, professores, agentes reais de transformação social, enfrentam lutas por salários dignos. É a inversão completa de valores: uma dancinha vale mais que uma aula, uma trend rende mais que anos de dedicação ao ensino.
Não basta apenas falar em regulação das mídias digitais, como muitos propõem quando um caso como este ganha repercussão. Essa narrativa é, muitas vezes, uma cortina de fumaça para validar mecanismos de censura sob o pretexto de proteger usuários. O que realmente é necessário é que a população seja educada para um uso crítico das redes sociais e que os ritos jurídicos já existentes sejam aplicados no campo digital. Este caso prova exatamente isso: Hytalo Santos foi preso porque, supostamente, cometeu crimes que já estão previstos no Código Penal. Não foi preciso criar leis novas, e sim fazer valer as que já existem.
O caso Felca x Hytalo Santos é um alerta: por trás do humor, das trends e da ostentação, há uma indústria que explora vulneráveis, lucra com vícios e até financia atividades ilícitas. No fim, a pergunta continua ecoando: quem lucra com a sua atenção, e quanto isso custa para a sociedade?

Bruno César Teixeira de Oliveira, com uma carreira sólida na gestão de riscos, compliance e prevenção a fraudes em instituições financeiras.