
Antes mesmo de abrir os olhos, e ainda com um pezinho no mundo dos sonhos, ele pensa: “Fora, Moraes!”. Agora, sim! Ele abriu os olhos e está se espreguiçando demoradamente. Ao lado dele, a mulher acorda e lhe lança um sorriso lânguido e inequívoco. Que ele ignora. “Fora, Moraes! ”, diz, estalando-lhe um beijo na testa e se levantando para o dia.
Ele abre a janela e o sol de inverno o estapeia no rosto. “Fora, Moras!”, pensa ele, deixando-se aquecer. Lá fora, no bosque que circunda a casa, os pássaros cantam “Fora, Moraes!”, enquanto no céu as nuvens formam a figura monstruosa do ministro. Até as montanhas da Serra do Mar parecem reproduzir o horizonte de “AdeM”. “Fora, Moraes! O café tá pronto! Fora, Moraes!”, anuncia a esposa. “Fora, Moraes! Me passa a manteiga. Fora, Moraes!”, pede ele para a mulher.
Agentes da PF
No ônibus lotado, ele abre caminho pedindo aos outros “Licença. Fora, Moraes! Licença. Fora, Moraes!”. As pessoas o olham com admiração. Curitibano é tudo tímido, mas um ou outro arrisca se solidarizar: “Fora, Moraes!” Só um petista, obrigado a usar o transporte público depois que o Audi deu problema, o olha com cara feia. Mas ele, nosso Capitão Ahab, não se intimida. “Fora, Moraes! Tenha um bom dia!”, diz ele para o petista antes de descer na praça.
“Fora, Moraes!”, cumprimenta ele o pipoqueiro. “Fora, Moraes!”, responde o ambulante. É assim com o dono da banquinha, o engraxate, o mendigo, o policial, o cobrador da estação-tubo, o vigia da loja de capinha de celular e até o traficante. O eco de “Fora, Moraes!” o persegue escritório adentro. “Fora, Moraes! Alguém me procurou?”, pergunta ele para a secretária. “Fora, Moraes! Mais cedo dois agentes da PF estiveram aqui…”, diz ela.
Safra 2025
Faz-se silêncio. Ele arregala os olhos. Ela contém o riso. Até que: “Fora, Moraes! Hahahahahahahaha. Brincadeirinha, chefe”, diz ela. “Hahahahahahaha. Fora, Moraes! Tá demitida”, zoa ele, entrando na sala onde passará o dia entre reuniões, cálculos, decisões e, aqui e ali, um cafezinho com os colegas para discutir o que há de mais urgente no momento: “Fora, Moraes! Viu que o Coxa venceu mais uma? Fora, Moraes!”.
Depois de um dia cheio, ele volta para casa. “Fora, Moraes! O que tem para jantar?”, pergunta ele para a esposa. “Fora, Moraes”, responde ela, se referindo a um prato assim batizado, na verdade uma gororoba preparada com tudo o que está quase podre na geladeira. “Fora, Moraes! Meu prato preferido”, diz ele, lambendo os beiços. E os dois ficam ali, conversando e bebericando um vinho “Fora, Moraes”, safra 2025.
“Fora, Moraes!”, brinda ele. “Fora, Moraes”, brinda ela. Fim.
Fonte: Gazeta do Povo

Jornalista, tradutor e escritor.