29 de março de 2024
Walter Navarro

O problema do Nordeste é não ter piscina, ui!


Calma, patrulheiros imbecis do Politicamente Correto! Se não doer muito, pensem antes de mais uma denúncia anônima ao Ministério Público. Este título não é meu, é o verso de uma canção de Eduardo Dusek, “O Problema do Nordeste (Caatingatur)”, de 1981, tá?
À guisa de economizar minha constrangedoramente colossal coleção de euros e dólares, passo temporadas sabáticas na casa familiar, em Barbacena.
Barbacena é legal porque fica bem longe do Brasil!
Minha mãe, um irmão e duas de minhas três irmãs moram nesta casa, fora da cidade, distante uns oito quilômetros do centro. É como uma casa de campo. Sorte minha. Venho pra cá e nem saio da casa cercada de verde. Uma ilha, oásis. Sorte porque Barbacena é como a Itabira de Drummond, um dolorido retrato na parede. Não gosto de ver o que séculos de desleixo e incompetência fizeram com a cidade que podia ter sido histórica, mas não é.
Os casarões, prédios antigos são contabilizados na mão dos quatro dedos do Lula. Cidade totalmente desperdiçada, descaracterizada. E a destruição continua, sempre substituindo história pelo mau gosto, anti-arquitetura; aquela de prédios decorados com pastilhas, basculantes vacilantes, grades “mudernas”, no melhor estilo improvisado de “vamos bater uma laje…”.
Costumo dizer e nunca é demais repetir: em Barbacena só não demoliram as igrejas porque é pecado! E daria mais trabalho, claro!
Também não me cansei de convidar: venham pra cá, na próxima vez em que o mundo se acabar.
“Well”, como ia escrevendo, a casa familiar, que já mostra todos as rugas, infiltrações e cupins de seus balzaquianos anos, tem esta qualidade: um entorno muito verde. Eu mesmo plantei seis grandes árvores. Planto esculturas no jardim também…
O verde que te quero verde sofre na seca. Muito! Principalmente há umas duas semanas, antes das lindas e saudosas chuvas que ameaçam despejar sua poesia, daqui a janeiro, espero.
Pois bem, num destes sábados que não voltam mais, fui à garagem vazia e de lá ouvi um barulho que, apressadamente, confundi com chuva. Era o contrário: fogo, bem perto de nossas glebas e chegando voraz, como a ira do Irã do Djavan.
Pedi à minha mãe que alertasse a vizinha enquanto eu ligava para o Corpo de Bombeiros. Expliquei com toda a tragicidade grega de Chipre, que minha casa corria o risco de virar cinzas, não em 50 tons, mas em um só, como aquela nota daquele samba.
Para meu pasmo, o bombeiro de plantão confessou, à boca miúda, que “passava mais tarde, se desse”… Estavam ocupados debelando outros focos e dilúvios infernais. Com um detalhe que me fez ovular e quase perder a criança: Barbacena, uma cidade de 226 anos (eu não disse que poderia ser histórica?) e quase 140 mil almas em suplício, conta com apenas um (01) carro de bombeiros…
Pensei ludicamente: Fudeu!
O barulho, o cheiro e as chamas de Nero aumentavam e o problema da minha casa é não ter piscina, ui!
Mas, sei lá por que cargas d’água, o fogo sumiu, se consumiu.
(A carga d’água fez moer ao moinho e o aguaceiro sempre foi alegado como pretexto para não cumprir alguma obrigação. (…) Mas, quando não chove, é natural que se pergunte ao relapso: Mas por que carga d’água? ou, onde o motivo forte?).
Sumiu, rsrsrsrs… Sei de nada, inocente!
Dia seguinte, domingão, ao acordar, minha mãe e irmãs tinha ido “almoçar fora”… Meu irmão, de roupão, na televisão, com seu bundão!
Fui ao banheiro, exatamente na direção da garagem e, da janela, ouvi o mesmo barulho piroclástico, ainda mais forte. Não deu outra. As chamas, como as andorinhas, tinham voltado.
Enquanto fui avaliar o perigo, pedi ao irmão que, de novo, acionasse os bombeiros… Nem vou comentar…
Não vou comentar também o que meu irmão fez, melhor, deixou de fazer. Mas eu fui e nem me lembrei de um de meus pulmões, avariado desde 2015.
Lembram-se da “grande cartomante, a internacional Deise, a mulher do Homem que comia Raio Laser”? Pois é, me senti o mágico que engole espada, come fogo e chupa fumaça!
Espada, no bom sentido, tá?
O final moral da história, da fábula?
“Houve um incêndio na floresta e enquanto todos os bichos corriam apavorados, um pequeno beija-flor ia do rio para o incêndio levando gotinhas de água em seu bico. O leão, vendo aquilo, perguntou para o beija-flor: – Ô beija-flor, você acha que vai conseguir apagar o incêndio sozinho?  E o beija-flor respondeu:  – Não sei se, mas estou fazendo a minha parte”.
PS: Meu codinome desde então? “Eu protegi teu nome por amor/Em um codinome, Beija-flor/Não responda nunca, meu amor (nunca)/Pra qualquer um na rua, Beija-flor”.

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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