4 de maio de 2024
Colunistas Walter Navarro

Je te Jane, moi non plus

Bom dia! Estou em falta com minhas três leitoras e dois leitores. Porque estou trabalhando muito e com outras preocupações inevitáveis.

É aquela velha história: “cuidado com o que você deseja, pode acabar conseguindo”. É aquele ditado francês: “não se pode ter a manteiga e o dinheiro da manteiga”. A vida é feita de escolhas, na maioria erradas.

Estou em falta principalmente com Jane Birkin porque, de repente, amanhã, vai fazer um mês que ela morreu e, o máximo que consegui fazer foi compartilhar 69 mil fotos dela no Facebook, nem uma linha.

Não foi só falta de tempo e inspiração. Foi também falta de jeito para lidar, cada vez mais, com estas perdas. Com Rita Lee só consegui porque foi logo depois de voltar a Belo Horizonte, onde a Roda Viva me pegou distraído e de tocaia.

Rita e Jane, duas lindas e excepcionais mulheres, cada uma na sua praia e no seu galho.

Vou tentar escrever sobre Jane. Pouco e rapidamente porque, agora, até quem não a conhecia, já sabe tudo. Homenagens e lembranças continuam.

O Tempo corre tão curto que, só consegui ver a exposição “Portinari Raros”, no último dia dela, dia 7 de agosto, em plena segunda-feira, à noite.

Pena não ter catálogo porque é o tipo de exposição que nunca mais verei, a maioria das telas e desenhos pertence a coleções particulares.

Como o painel “Guerra e Paz”, do mesmo Portinari, que tive a sorte e o privilégio de ver em BH, em 2013 e em 2014, Paris. Logo depois ela voltou à sede da ONU, em Nova York, “para sempre” e para poucos.

Voltei para casa, meio frustrado e pensei: “não tem catálogo, mas para que preciso de mais um catálogo na vida? Meus mais de dois mil livros vão desaparecer comigo. Alguns tão amigos de outros, serão separados, em sebos ou no lixo”.

Os livros da Jane Birkin não. Ela deixou duas belas e inteligentes filhas. Principalmente Charlotte que já cuidava do acervo e legado do pai, Serge Gainsbourg, inclusive sua casa, em Paris, que será um museu aberto à visitação pública.

O que Jane Birkin me deixou? Muitas lembranças dos melhores anos de minha vida. Com ela, foice e foi-se mais um pedaço de Paris, cada dia, cada ano mais distante. Uma Paris que nem existe mais.

Assim, “do nada”, estou aqui em Barbacena, depois de um mês, por causa de dois feriados que eu nem sabia que existiam. Segunda em Barbacena, terça em BH.

A novidade foi minha irmã emprestar sua assinatura da plataforma “Brasil Paralelo”, que não é nenhuma Brastemp, mas me brindou com mais passado. O controle remoto da Netflix me deixou na mão, por falta de uso.

Revi vários clássicos no acervo da “Brasil Paralelo”, como “Sindicato de Ladrões”, “Melhor é Impossível”, “Rede de Intrigas” e até “Feitiço do Tempo”.

O feitiço virou pró-feiticeiro. 30 anos depois, claro, revi o filme com outros olhos. O Tempo ficou mais enfeitiçado, mais assustador. Bill Murray tinha 42 anos, hoje, 72. É muito Tempo.

Tempo, Tempo e mais Tempo! O que aprendi?

Que todo mundo merece um “Dia da Marmota”, um mesmo dia que se repita sem fim até que nós, idiotas marmotas, aprendamos que todo dia é único e nunca mais vai voltar como a exposição do Portinari, como a Jane Birkin.

Nelson Rodrigues, sempre profeta, adorava ser repetitivo, principalmente com as palavras, alegando: “o que não é repetido, continua inédito”.

É o que o filme escancara, com inteligência e poesia. Bill “Phil” Murray fica preso no Tempo até aprender a valorizar as pessoas e acontecimentos daquele dia. O que não deixa de ser cruel porque não fazemos isso exatamente achando que não temos Tempo a perder com “as pequenas coisas da vida” que, no final do dia, no final da vida, mostram-se exatamente o contrário, muitas coisas pequenas são, às vezes, as maiores.

Eu deveria ter ficado preso no dia 15 de julho, ouvindo e vendo Jane Birkin, um dia antes de ela morrer. Ou dia 7 de agosto, revendo Portinari mil vezes.

Eu deveria ter ficado preso, hoje, neste dia 15 de agosto, em Barbacena, com minha mãe, de 90 anos, até esgotar todo este feriado porque já está acabando e nunca mais vai voltar. E porque estou em falta com minhas três leitoras e dois leitores. Porque estou trabalhando muito e com outras preocupações cruéis, inevitáveis.

PS: Ah! Por falar nisso, bom dia! Estou em falta com minhas três leitoras e dois leitores. Porque estou trabalhando muito e com outras preocupações cruéis e inevitáveis. É aquela velha história:

Walter Navarro, Barbacena, 15 de Agosto de 2023

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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