29 de março de 2024
Walter Navarro

Canibais comendo alface


Sou alucinado pela expressão exagerada: “sou alucinado”. Eu e Cazuza também gostamos da filosofia “exagerada”. Então, tudo explicado, adoro, amo, sou alucinado pela palavra “pindaíba”. Tem 1002 origens, mas só conheço as duas últimas: “Estar na pindaíba” é estar na merda, no mato sem cachorro chupando manga cabeluda.
Na língua Tupi é uma árvore de onde se retira a vara para a pesca. Há também a origem no quimbundo, “mbindaíba”, que significa miséria. Realmente, precisar de vara tupi e falar quimbundo no original, sem tecla SAP, não deve ser das coisas mais agradáveis.
Cruel também é quem ri de quem vive na pindaíba. Mas, no Brasil, fazemos piada de tudo e boas piadas. Principalmente das tragédias. Rir de nós mesmos não deixa de ser uma qualidade saudável. Mas rir dos outros é muito melhor: “Eu passaria uma vida inteira ao seu lado. Mas não essa, tá?”.
É aquela velha história, escorregar numa casca de banana e espatifar-se na rua, só não é engraçado para quem cai. E olha que nunca tive o raro prazer de ver alguém escorregar na banana, viajar na maionese, enfiar o pé na jaca. Aliás, nunca vi uma jaca!
A pobreza é rica e pródiga em expressões, histórias, comparações, anedotas e risadas. Principalmente da parte dos ricos, repito. Lembram do quadro “Primo Rico e Primo Pobre”? Chico Anysio seria processado nos burros tempo de hoje, por causa de seu personagem, Justo Veríssimo, que gritava os bordões: “Odeio pobre!”, “Eu quero que pobre se exploda!”. E Miguel Falabella, como Caco Antibes? “Pobre faz arroz de forno com arroz de casamento…”.
Ser pobre é muito chato e sem graça. Todavia e cotovia, pior é ser pobre de espírito. Espírito de porco, com o perdão dos suínos, que adoro.
“Está cansado da merda? Então, pare de andar com pobre!”.
Vejam estas maravilhas: “Esquina dos aflitos”, aquela onde os caras vendem até a mãe, se tivessem compradores…
E “vender o almoço para comprar a janta”? E falar “janta” também é coisa de quem está meio “desprevenido”, a “descoberto”, na lama.
Uma de minhas favoritas beira o nonsense: “Estou latindo no quintal para economizar cachorro”.
Vou ao delírio com aquele clássico de Moreira da Silva, “Dormi no Molhado”: ” Eu enfrentei uma marreta na pedreira São Diogo/Quebrando pedra roliça/Passando a pão e a linguiça/Dormindo no cais do porto/No meio da sacaria/Onde os ratos dormia/Onde ventava e chovia/Quando o dia amanhecia/Vinha o chefe da limpeza/Jogando água fria/Vejam só como eu saia/Sem café e sem cigarro/Sem saber pra onde ia/Sem tostão e sem vintém/Mas nunca pedi a ninguém/Cortei asfalto na linha/Fui vendedor de galinha/Carreguei cesto na feira//Eu fui garçom de gafieira/Comia numa tendinha/Que só fritavam sardinha com azeite de lamparina/Eu só cheirava a gasolina/Fui peixeiro, carvoeiro, quitandeiro/Fui bicheiro, apanhei como um ladrão (…) Já me disseram até que eu virava lobisomem”.
Maravilha!
E “falar mais do que pobre na chuva…”?
No cinema são infinitos os exemplos da “petição de miséria”! Salvo engano, Ken Loach, que só faz filmes sociais (de pobre), tem um hilário. Os caras, desempregados, um mais feio ou gordo que o outro, resolvem fazer show de striptease para ganhar uns trocados.
Pior, mais triste, trágico e nada engraçado, é aquele outro belo filme, “A Noite dos Desesperados”… Casais entram num concurso de dança sem fim. Quer dizer, tem fim para os casais que caíam e até morriam exaustos…
Este é engraçado, muito! Andy Garcia, muito trambiqueiro, vivia de bicos e vendia de tudo. Um de seus produtos, ingressos para o musical “Cats”. E para atrair e seduzir os compradores, gritava: “Olha aí o ingresso para ‘Cats’… Aproveitem, colocaram mais ‘cats’ em ‘Cats’…”. Impagável!
Pensando em todos estes filmes, músicas e situações tive uma ideia para ganhar dinheiro nestes tempos de pindaíba. Inspirei-me também no filme “Clube da Luta” e em um bem mais recente, “O Dia da Namorada”, onde um cidadão promovia lutas entre mendigos!
Minha ideia? Promover lutas entre nossos 14 milhões de desempregados! Só falta estipular o prêmio: R$ 5 ou R$ 10 para o vencedor? Batatas?
PS: Quem inventou as expressões, “Dinheiro não traz felicidade” e “Tamanho não é documento”, era pobre e tinha pau pequeno…

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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