Carta aberta à população de Belo Horizonte, capital das Minas Gerais.
Não sou mineiro, sou paranaense nascido em Curitiba. Mas me apaixonei por Belo Horizonte desde o primeiro momento que a conheci. A família por parte de pai é toda mineira, já passei algumas férias nessa cidade e as lembranças são as melhores possíveis.
Ruas transbordando cultura, alegria e felicidade. Nunca tinha visto calçadas tão cheias de gente em frente aos bares como vi nesta cidade. Belo Horizonte – a Capital dos Bares. Dos bares e de muitas outras coisas. Mas os bares têm um encanto diferente, as pessoas, a música, o calor, a cerveja gelada, a comida, ah a comida!
Meu pai, belorizontino, abriu um bar no sul do país, vivo, igualzinho aos daqui. Cerveja gelada, comida farta e boa música, não deu outra, está sempre cheio, cheio de gente, cheio de alegria. E eu? Eu numa dessas passagens por BH me apaixonei por uma mineira. E lá fui eu montar meu boteco. No início fazia ‘bate e volta’, depois de um tempo voltei para realmente ficar em BH. Morando e vivendo a cidade comecei a reparar que as minhas percepções eram outras. As ruas sujas, sem iluminação, perigosas, muito morador de rua, lugares abandonados, a cidade parecia largada. E então passados 3 anos do bar aberto percebi a cidade agonizando cada vez mais.
E aí veio a pandemia.
Tudo fechado por meses, depois gradativamente as coisas foram abrindo, trazendo um pouco de esperança e fôlego, principalmente, para os comerciantes. O momento exigiu muita cautela e respeito às devidas restrições e distanciamentos exigidos. Porém, no final do ano os bares começaram a ser tratados, pelos governantes, de maneira diferente dos demais negócios, era como se fossem os únicos responsáveis pela disseminação do vírus. Tirar de um bar o direito de vender bebida alcoólica é o mesmo que proibir uma loja de chocolates de vender seu principal produto que é chocolate.
E agora? Passados quase um ano, como vamos nos sustentar? Os bares que antes eram orgulho da população foram esquecidos, definhando a cada dia. Não sou contra as medidas de prevenção, sou a favor. Mas sou a favor, também, do emprego, do sustento. Quero o direito ao mínimo para sobreviver, e isso não está sendo permitido. Quero o direito de um estabelecimento funcionar dentro das restrições o que se propõe em seu alvará, e que exista fiscalização para quem não cumpre as regras estipuladas pela prefeitura.
Impedir um bar de vender bebida alcoólica é colocar uma pá de cal em um negócio que já está soterrado de dívidas e problemas diversos gerados por todo esse tempo de dificuldades. Oito dos nossos colaboradores foram demitidos só no mês do Natal, foram pra casa sem saber o que vai ser nesse próximo ano, sem o presente para os filhos e em alguns casos sem ter o alimento para colocar na mesa. A situação está crítica, basta andar alguns quarteirões pela cidade que vemos bares, restaurantes e demais comércios entregando os imóveis. Aluga-se. Passa-se o ponto. Vende-se.
A coisa se agrava quando vou às compras e quase caio para trás quando me deparo com o preço dos produtos. A pergunta que fica é: Como vender comida com um preço atrativo com o valor dos insumos tão altos? Se os bares vão ter que parar de vender bebida, alguma contrapartida tem que ser dada a eles, por sobrevivência. Mas não, os bares foram abandonados, deixados de lado. Logo eles que carregaram o nome dessa cidade por todo o Brasil e fora dele também.
Vale ressaltar também a falta de fornecimento de transporte público. A atual gestão da prefeitura municipal de Belo Horizonte vem ao longo da quarentena limitando o direito de ir e vir da população e nada é feito em relação a isso. O transporte público só funciona até às 22 horas. É um toque de recolher. Minha empresa, pelo decreto, pode funcionar com o fornecimento de mesas e cadeiras até às 22 horas, das 22:00 até 00:00 somente com retirada no balcão ou delivery. Sendo assim, o horário de trabalho dos meus funcionários continua o mesmo, mas devido à restrição dos horários de ônibus sou obrigado a mandar todos eles de UBER para casa. Isso mesmo, você não leu errado, UBER, uma vez que eles não têm como ir embora.
Ainda que os estabelecimentos fechassem pontualmente às 22:00 e optassem por não estender com delivery até 00:00, os trabalhadores, ainda assim, ficariam sem transporte público para ir para casa. Já que após o fechamento da loja para o público, o caixa tem que ser fechado, o estabelecimento tem que ser todo limpo, as pessoas têm que se trocar, há o tempo de deslocamento até o ponto de ônibus. Enfim, os trabalhadores que possuem turno noturno estão completamente desamparados pelos governantes, e quem mais uma vez paga a conta é o empresário. Só a título de exemplo para dimensionar o tamanho desse problema, quatro funcionários pagando 20 reais de UBER por dia geram um custo de 2400 reais.
É certo que muitas outras atividades estão sofrendo com os reflexos da pandemia, acredito que o buraco é muito mais embaixo. Mas é certo também que o ramo de alimentação é o que mais vem sendo atacado e prejudicado ao longo desses meses. As reservas de dinheiro já não existem mais, economias de anos foram colocadas para salvar os negócios. E mais, toda aquela paixão em proporcionar momentos bons e de alegria para as pessoas está indo embora, o amargo do desprezo em ver e vivenciar o que está sendo feito com os bares de BH seca minha garganta. Ninguém fala nada. A agonia é silenciosa. Os bares sangram e não conseguem gritar se afogando no seu próprio sangue. Anos de trabalho, histórias de famílias. Tudo em quieto, silêncio que ensurdece.
Uma certeza é que hoje Belo Horizonte não é mais a capital dos bares. O título que a cidade carrega por anos não foi forte o suficiente para impedir que estivessem na situação que estão atualmente.
O bar morreu de fome e sede.
Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.