23 de abril de 2024
Editorial

Voto impresso auditável: por que não?

Antes de entrarmos na discussão apropriada sobre a adoção ou não do voto impresso auditável, creio ser necessário um esclarecimento sobre os termos usados nesta discussão. Imaginem que esta parte inicial seja como um glossário do tema VOTO. Sim, outra aulinha, vamos lá?

1 – VOTO EM PAPEL: voto em cédula, como usávamos aqui no Brasil até 1995 e que é usado na maioria dos países. Este tipo de voto, exige um grupo de cidadãos convocados para fazer a contagem manual, ou seja, na prática, as urnas eram abertas, as cédulas desdobradas e iniciada a contagem. Eu fui um contador de votos por várias eleições. Muitas vezes cabia ao presidente da mesa decidir se um determinado voto deveria ou não ser anulado. Em qualquer das duas hipóteses, havia fiscais dos partidos em volta da mesa e, se eles não concordassem com a decisão do presidente da mesa, ele chamava o juiz presidente da seção eleitoral, que estava sempre presente e socorria os escrutinadores (sim, nome horrível, mas é o nome corretamente técnico para os contadores de votos). A seguir um exemplo.

modelo de cédula em papel – TRE-SP (meramente ilustrativa)

A cada urna aberta era preenchido um mapa com a quantidade de votos por candidato, por partido, nulos e brancos. A soma total destes votos, obrigatoriamente, teria que bater com a ata que o presidente da Zona/Seção preenchera ao final dos trabalhos. Obviamente, em caso de alguma dúvida os partidos recorriam ao Juiz Presidente da Zona eleitoral ou ao TRE e era feita a recontagem dos votos numa determinada urna ou seção.

2 – VOTO ELETRÔNICO: voto em um coletor eletrônico de voto, também conhecido como “urna eletrônica”: é uma máquina de votação que registra os votos por meio de um display da cédula eleitoral aliado a componentes mecânicos. Este modelo começou a ser usado em 1996. Não há necessidade de convocação de escrutinadores, pois cada urna faz a sua totalização automaticamente. Não há qualquer conexão à internet para evitar a ação de hackers no sistema.

urna eletrônica usada desde 1996 – TSE

O presidente da mesa faz a “zerésima” da urna, zerando assim todos os seus totalizadores, para permitir o início da votação. Ao final, o presidente da seção faz o fechamento da urna e imprime os totais que são afixados à porta de todas as seções, possibilitando assim, aos partidos, terem sua totalização por seção. Não há como fazer auditagem ou recontagem, pois, segundo o TSE a urna é inviolável e os votos não são mostrados, só são divulgados os totais por urna.

3 – VOTO IMPRESSO: Este tipo de voto não foi e nem deverá ser adotado no país (acho eu que nem em qualquer país do mundo), já que ele submete o eleitor a uma “possível” fiscalização por conta de candidatos, ou mesmo do tráfico e da milícia, no caso do Brasil. Significa que o eleitor vai à urna, finaliza seu voto e recebe o comprovante com o seu voto, tornando-o “não secreto”.

teste de voto impresso feito em 2002 – UOL

Este tipo de voto permite auditagem e recontagem, mas expõe o voto e consequentemente o eleitor. Nunca pode ser utilizado! O voto precisa ser secreto!

4 – VOTO ELETRÔNICO AUDITÁVEL: É uma evolução do voto eletrônico, pois, usa todas as suas vantagens e, ainda permite uma auditoria e possível recontagem, pois cada urna teria uma impressora INTERNA que registraria cada voto, pedindo a confirmação do eleitor, sem, no entanto, identificá-lo.

Teste de voto impresso auditável – Senado – 2018

O eleitor continuaria a receber seu comprovante de votação como em qualquer dos tipos acima, ou seja, ele comprova quevotou“, mas não “em quem votou” e ainda possibilita a recontagem…

Reparem que ao lado da urna a que estamos acostumados há uma impressora acoplada, com um visor, que permite ao eleitor visualizar e conferir seu voto, sem no entanto identificá-lo. Ao apertar a tecla CONFIRMA ele estará não somente confirmando seu voto exibido no display, mas também a impressão dele, permitindo assim uma auditagem para recontagem de votos, sem identificar o eleitor de forma alguma. Esta forma de votação, a meu ver, seria a ideal, pois a vantagem enorme da automatização da contagem estaria aliada a uma possível auditagem e recontagem dos votos.

Bem, esclarecidos, até a exaustão, os termos que a mídia está usando e desculpando a prolixidade do editor para melhor esclarecer de uma forma didática. No entanto peço àqueles leitores que já sabem disso tudo um pouco de paciência porque não temos um público homogêneo… então vamos à discussão do tema:

Não consigo entender o porquê de o TSE e os Partidos (11 no total) serem contra este tipo de votação. Alguns dos demais 23 ou 24 partidos nem declararam sua preferência. Não creio ser pelo valor a ser gasto, cerca de 2,5 bilhões, valor que cabe perfeitamente no orçamento já proposto para o TSE em 2022, ano de eleições quase “gerais”.

Só consigo atribuir esta “preferência” à possibilidade de manipulação do sistema atual. Vejam bem: se cada urna tiver os votos impressos internamente e mostrados ao eleitor para que ele dê o OK, qual a chance de estes votos serem fraudados na apuração? ZERO, pois o próprio eleitor daria o ok em seu voto e teria a certeza de que seu voto está lá, impresso e apto a ser conferido.

Se algum partido e/ou candidato tiver dúvida e solicitar uma recontagem, isso será feito pelo próprio pessoal do TRE / TSE, à frente dos fiscais dos partidos interessados, usando os votos impressos pelas urnas respectivas, sem qualquer dúvida nem identificação dos eleitores.

O TSE insiste e justifica que não há possibilidade de fraude, já que a urna, em momento algum, é conectada à internet, como se isso fosse condição sine qua non para se manipular a apuração e contagem.

Óbvio que a possível fraude não é numa conexão com a internet, já que ela não existe. O risco está no(s) programa(s) que fazem o registro do voto, a apuração e contagem final da urna… isto apenas a princípio, mas não há nada que possa garantir que na transferência de dados, via cartão SD, pendrive ou similar, para apuração no TRE, não haja forma de transferir ou criar votos para quem se deseja.

Já houve apurações, por exemplo, em que um determinado deputado, na seção em que votou, não teve nenhum voto contado pra ele, quando no mínimo UM deveria existir, o dele, não? Sempre dizem que foi um erro pontual ou que o problema foi que o candidato teclou o número errado. Imagine!!!

Tivemos uma prova da fragilidade nas últimas eleições municipais em que houve uma “invasão de hackers” nos computadores do TSE, estes sim conectados à internet. Isso segundo a explicação oficial, foi apenas um bug (erro) no programa que faz a totalização, mas que não houve qualquer problema na apuração. Será? Atrasou a totalização em quase duas horas e as explicações não convenceram ninguém. Como não poderia haver recontagem tivemos que engolir os totais apresentados.

Como profissional de TI, durante toda minha vida profissional, não posso deixar de admitir esta possibilidade. Desculpem-me os técnicos e funcionários do TRE / TSE, mas É POSSÍVEL, muito embora eu não tenha a devida qualificação para isso e nenhuma vontade de interferir no processo eleitoral desta forma! Somente com meu voto!

E, se é possível, por que não permitir uma forma que admita uma auditagem e recontagem dos votos inibindo esta possibilidade? Esta é a questão: por quê?

No mundo inteiro existe a possibilidade de recontagem. Sim, mas o mundo inteiro não usa votação e apuração totalmente eletrônicas como aqui. Usam papel, mas por que preferem este método arcaico? Antes de responder o óbvio, falei com um amigo que mora atualmente na Inglaterra e que já morou na Itália e na França e ele diz a mesma coisa sobre a votação nestes países: optam por papel por ser mais barato e garantir auditagem e recontagem… simples assim.

Só consigo inferir esta opção brasileira por uma decisão de não poder permitir a recontagem, por “outros interesses”. E que outros interesses seriam estes?

Obviamente, interesses políticos, já que os que são ou foram beneficiados pela impossibilidade da recontagem, de forma alguma quererão mudar a forma de votação ou de apuração. E, é claro, também seriam favoráveis à eleição por Lista… mas isto é assunto pra outra vez.

Não havendo motivos em valores e aumentando a qualidade e a segurança do método de votação, por que o TSE e os 11 maiores partidos (a única coisa que uniu partidos para a votação, estranho, não?) não admitirem sequer a hipótese desta forma de votação?

A PEC do voto impresso auditável tem uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados formada, onde seu presidente Felipe Barros (PSL-PR) deu parecer favorável ao voto impresso auditável, mas sem o apoio mínimo necessário, o relatório que foi encaminhado ao plenário ficará numa das gavetas do Presidente da Câmara, Artur Lira. Não por sua culpa, mas por falta de apoio necessário dos partidos para sua aprovação. Afinal temos legalizados 35 partidos, mas os 11 maiores são contra… de novo a pergunta: por quê?

Manifestantes pró-governo protestam em Copacabana, na zona sul do RJ – Folha – The News2

Alegam que o sistema é seguro. Sim, pode ser, mas por que não torná-lo MAIS SEGURO. O custo vai se diluir nos anos que teremos à frente e na garantia da lisura do processo e teremos a certeza de que nossos votos foram realmente para quem nós votamos.

Valter Bernat

Advogado, analista de TI e editor do site.

Advogado, analista de TI e editor do site.

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