1 de maio de 2024
Editorial

No escurinho do cinema, as mudanças na legislação eleitoral

O nome pode ser bonitinho – minirreforma eleitoral – mas o caráter é ordinário, no sentido mais acurado do termo. Assim, as mudanças propostas por suas altezas parlamentares nas regras para valerem, já na eleição de 2024, parecem inofensivas, embora sejam totalmente ofensivas ao eleitorado, e têm que ser aprovadas até 6 de outubro, no Congresso, o que inclui, obviamente, a Câmara, posteriormente o Senado e também a sanção presidencial (o que não deve ser problema, é claro).

O deputado Rubens Pereira Júnior, do PT, teve a coragem ou a audácia, de propor, juntamente com a deputada Danielle Cunha (filha de Eduardo Cunha…Uau!) uma minirreforma eleitoral, cujo regime de urgência foi aprovado na calada da noite, a toque de caixa, justamente para que ninguém pudesse se aprofundar muito nas alterações que estão sendo propostas.

Esta iniciativa conseguiu unir a direita, a esquerda e o Centrão já que o projeto protege e beneficia os candidatos e partidos. Esta minirreforma altera artigos do Código Eleitoral, da Lei dos Partidos Políticos e da Lei das eleições… aliás, por que não termos tudo no Código Eleitoral?

E não há a menor chance de o projeto não ser aprovado na Câmara e no Senado, pois é do interesse de todos os políticos, de todos os partidos. Há um alinhamento de, praticamente, todos os partidos na aprovação deste projeto. Imaginem um projeto de lei, apresentado numa 2a feira, tendo seu regime de urgência aprovado no mesmo dia e que na 4a vai a plenário. Que tal?

O vergonhoso projeto, na realidade, é “colocar um bode na sala”, permitindo que diretórios que estão há anos sem prestar contas à Justiça possam lançar candidatos normalmente. Apenas para nosso conhecimento, hoje existem 918 diretórios estaduais no pais, sendo que 155 têm prestação de contas em aberto… é o tradicional: “se passa um boi, passa uma boiada”.

Outro ponto que me chamou a atenção foi a flexibilização da cota de candidaturas femininas. Absurdo! Acho até que deveríamos seguir o exemplo da Argentina que fixa em 50% o número de deputadas e senadoras… assim friamente: 50% para cada gênero, assim acabaria qualquer discussão ou armação partidária.

Há, também, um vergonhoso afrouxamento da Lei da Ficha Limpa, onde o prazo da pessoa condenada ficar inelegível passa a ser contado na condenação, ou seja, quanto mais tempo demorar o processo, menos tempo aquele político ficará impedido de se candidatar. Hoje, um político que é cassado fica inelegível pelo resto do mandato e por mais oito anos seguidos. Na proposta, a pena só começaria a contar na condenação, reduzindo em muito o prazo de se tornar novamente elegível.

Doações eleitorais: dispensa os candidatos de informar as doações através do PIX, imputando à Justiça eleitoral divulgar e controlar a informação. Além disso o projeto abre brechas para que candidatos que praticaram compra de votos, ou que realizaram gastos ilícitos, durante a campanha possam não ter o mandato cassado. O texto cria uma outra opção de punição para esses casos, porém mais branda: pagar multa que varia entre R$ 10 mil e R$ 150 mil. Caberá ao juiz eleitoral fazer a avaliação e definir a pena segundo a gravidade do caso.

No texto, na parte que trata da compra de votos, a mudança foi sutil. A irregularidade na lei atual prevê duas punições que se somam: cassação do diploma e multa. A conjunção “e” foi substituída, no novo texto, pela conjunção “ou”. Assim, o candidato que for condenado pela compra de votos pode ser multado ou perder o diploma de eleito. Boa opção, não?

Quanto às prestações de contas, o absurdo vai além. A falta da prestação implicará apenas na suspensão de novas cotas do Fundo Partidário só enquanto perdurar a inadimplência… uma piada! Ao não poder analisar o mérito das contas, a Justiça Eleitoral fica impedida de determinar que o parlamentar devolva valores irregulares… virou festa!

Anistia: a presente proposta livra de punição partidos que não repassaram a cota mínima de recursos públicos para candidaturas de acordo com critérios de cor e gênero, ou seja, partidos que não cumpriram a cota de gênero ou de cor, ficam isentos das multas atribuídas pelo TSE… apagam o passado!

O projeto protege partidos de punições em caso da não prestação de contas: a minirreforma também traz uma nova redação para o caso de punições no caso da falta de prestação de contas de partidos. O novo trecho apenas quer punir as legendas com a suspensão de novas cotas do fundo partidário (e não do Fundo Eleitoral) enquanto perdurar a inadimplência. Antigamente a legislação permitiria o cancelamento de registro civil caso fique provada a inadimplência à Justiça Eleitoral.

Quanto aos antecedentes, outra festa, esta, maior ainda: as legendas ficam dispensadas de apresentar o comprovante de antecedentes criminais dos candidatos. É mole?

Com relação às Federações partidárias, as sanções passariam a ser aplicadas apenas à sigla que cometeu a irregularidade e não mais à Federação. Ora, se criamos a Federação para permitir “Partidos maiores”, por que não aplicar a regra à Federação integralmente?

Boca de urna: O texto apresentado permite a propaganda eleitoral no dia da eleição, mas veda o impulsionamento pago dos anúncios para alcançar mais público. É uma “boca de urna digital”, ainda que não textualmente legalizada. Outro absurdo.

Enfim, ao vedar punição a todo e qualquer irregularidade identificada contra partidos, a proposta torna, absolutamente, inócuos os respectivos exames e julgamentos realizados pela Justiça Eleitoral (tão poderosa e atuante na eleição passada), em obediência ao artigo 17 da Constituição Federal .

A imagem a seguir, do Jornal O Globo, mostra o antes e o depois, com um bom resumo…

Uma luzinha no fim do túnel foi a declaração de Pacheco, presidente do Senado, de que “não votará nada de afogadilho, por se tratar de um tema altamente relevante para o Congresso e para a população”. Ele disse que há Comissões no Senado que devem analisar detidamente o Projeto e, só então, levá-lo a plenário. Isso, normalmente, leva um tempo que os políticos interessados não têm, ou seja, sanção até 6 de outubro.

É óbvio que a pressão da imprensa e da população influenciou em muito esta declaração. Vamos esperar que esta luzinha se transforme num farol e ilumine todo o túnel, com a não aprovação deste projeto. O que eu duvido muito.

A aprovação desta proposta, na Câmara, onde já foi aprovada por esmagadora maioria, e no Senado, poderá ser considerada como o maior perdão da história política do país.

Valter Bernat

Advogado, analista de TI e editor do site.

Advogado, analista de TI e editor do site.

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