19 de abril de 2024
Editorial

A farra das prefeituras

Imagem: Google Imagens – Blog do Correio Braziliense – (meramente ilustrativa)

Sobre a contratação de shows pelas prefeituras espalhadas pelo país, em detrimento a um maior investimento em áreas mais vitais e necessárias à população. Não que a cultura não seja importante, longe disso.

Embora as administrações municipais neguem o uso indevido de dinheiro público, dizendo que as denúncias são levianas e tendenciosas, demonstrando – segundo elas – total desconhecimento sobre as formas de utilização dos recursos orçamentários, não podemos deixar de enxergar sob os olhos do povo: há escassez de recursos orçamentários para as áreas carentes de Educação, Saúde, Segurança e Habitação, em favor da área de Cultura e Lazer. Uma afirmação indiscutível!

Sim, como eu disse na abertura, a cultura é importante, claro, não há como negar, mas para quem precisa de uma das categorias mencionadas acima, o que seria a prioridade? A Cultura ou a Educação ou a Saúde, a Segurança ou a Habitação? O povo quer shows de famosos, sim, mas depois que os problemas imediatos destas áreas, tão desprezadas por nossos governantes estejam atendidas.

Escolham qualquer um habitante, de qualquer cidade, dos mais de 5.500 municípios deste nosso país continental, e perguntem o que ele prefere: se ele não prefere ter uma condição melhor para aquelas categorias mencionadas do que para a Cultura. Certamente, a resposta será unânime, ou quase isso. Óbvio, interessa o que se lhes afeta o dia a dia. O lazer é sempre segundo plano.

Devemos sempre nos lembrar do que disse Margareth Thatcher, traduzindo: “… o Estado não tem outra fonte de recursos, além do dinheiro que as pessoas ganham por si próprias. Se o Estado deseja gastar mais, ele só pode fazê-lo tomando emprestado sua poupança ou te cobrando mais tributos. E não adianta pensar que alguém irá pagar. Esse “alguém” é você! Não existe esta história de “dinheiro público”, existe apenas o dinheiro pago pelos pagadores de impostos. E nenhuma nação jamais se tornou próspera por tributar seus cidadãos além de sua capacidade de pagar. Nós temos o dever de garantir que cada centavo que arrecadamos com a tributação, seja gasto bem, e sabiamente /…” . Parece discurso de campanha, não é? Só que não, esta parte traduzida acima, integrou o seu discurso de posse como Primeira Ministra em um de seus mandatos.

Neste caso, não importa se o leitor é de direita ou de esquerda, ou de 3a via (rs). Este fala de Thatcher é incontestável! O Estado não tem qualquer fonte de renda, salvo aquela que a gente paga a ele, por força de lei, na forma de tributos ou taxas, logo o “dinheiro público” nada mais é que o SEU dinheiro, recolhido direta ou indiretamente. E os mais pobres acabam sendo os responsáveis pela manutenção do Estado. Triste realidade…

Por isso choca quando este “dinheiro público” é usado de forma irresponsável. Temos diversos exemplos, Federais, Estaduais ou Municipais. Nenhuma delas se guia pelos interesses de seus “correspondentes”, no entanto, ultimamente, ganhou repercussão o uso de “dinheiro público municipal” de forma indefensável.

Dentro desta perspectiva, destaquei alguns exemplos: (Dados obtidos através do Portal de Transparência).

SÃO PAULO – SP: Show de Daniela Mercury (100 mil reais). Cancelado o pagamento por determinação do MP.

MANAUS: usou 100 mil Reais pra financiar uma viagem de seu prefeito à Espanha para participar da Maratona de Barcelona, com a desculpa esfarrapada de que: “… não, eu fui disputar esta Maratona, para divulgar a maratona que vai ocorrer em Manaus”. Cara de pau! O show foi suspenso pela Justiça. Por que não escolheu um maratonista profissional? Ainda foi com a mulher e filhos.

VITÓRIA DE MEARIM – MA: contratou show de Wesley Safadão. Cidade de 32 mil habitantes. 500 mil Reais… outra decisão judicial suspendeu o show. Briga de liminares. O show acabou cancelado.

SÃO LUÍS DE RORAIMA: 8 mil habitantes. Decidiu pagar 800 mil Reais para Gustavo Lima pra fazer um show na cidade.

CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO – MG: o mesmo Gustavo Lima – e ele não tem culpa nisso – contratou o cantor por 1,7 milhões de reais. Esta Prefeitura resolveu fazer uma semana de shows na cidade – conhecida como a tradicional “Cavalgada do Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matozinhos” e contratou também Bruno e Marrone e outros. A notícia vazou e os shows foram cancelados. População: 17.000. Neste, há uma agravante: mesmo com o cancelamento dos shows, os cantores Gustavo Lima e Bruno e Marrone ficarão com os 600 mil já recebidos (não sei em que proporções). Bem, não satisfeita, a Prefeitura desta cidade, após o cancelamento por ordem da Justiça, contratou a dupla Simone e Simaria pelo cachê de R$520 mil. Além delas, o padre Alessandro Campos, que vai embolsar R$ 162 mil, constam mais R$ 48 mil que serão divididos entre os artistas Boris Furman, Henrique Romero e Os Parada Quente. O evento que acontecerá entre 17 e 23 de junho, já tem confirmados Israel e Rodolffo (R$ 310 mil), Di Paullo e Paulino (R$ 120 mil), João Carreiro (R$ 100 mil) e Thiago Jhonathan (R$ 90 mil). Coisa boa, não é?

SORRISO – MS: de novo Gustavo Lima. Foi contratado pela prefeitura local por 1.2 milhões de reais. 92.000 habitantes.

Em todos, a notícia vazou – óbvio porque as respectivas prefeituras precisavam de propaganda – por isso os shows foram cancelados pela Justiça.

O artista não tem obrigação de fiscalizar as contas públicas, nem saber de onde vem o dinheiro, mas, o artista, ao receber o convite, deveria saber quem o pagará. Se for a prefeitura, deve desconfiar… os cantores se falam entre si. O Wesley, ou seus representantes, poderiam ligar para o Gustavo Lima, por exemplo e perguntar: “quem está te pagando”? Não tendo esta preocupação ele está arriscado a fazer show para traficantes, milicianos ou narcomilicianos, pago com dinheiro de drogas… Seria bom pra imagem deles?

Precisamos comparar os orçamentos municipais destas cidades, em proporção, com o pagamento dos shows. Por exemplo, São Luís de Roraima, com 8 mil habitantes, pagaria 800 mil reais a Gustavo Lima. Quanto será o orçamento total desta cidade? Quanto foi destinado àquelas áreas mencionadas e quanto para a Cultura:

Os vereadores aprovaram as contratações? Ou eles não ouviram a fala da Thatcher, ou não quiseram ouvir. Ao final, o dinheiro é nosso!

Por que as prefeituras não tentaram obter patrocínio de empresas privadas, eliminando os custos públicos? Esta seria a opção correta.

A resposta oficial é o: “Orçamento anual” – municipal, estadual ou federal. Aí é que se define o quanto vai ser investido em cada uma das “categorias”.

É certo que as verbas orçamentárias são indicadas por “categoria”. Educação para educação; saúde para Saúde; segurança para Segurança e habitação para Habitação. É dinheiro carimbado, mas por que o orçamento anual destas prefeituras não divide grande parte desta grana da Cultura para contemplar as outras áreas ao definirem seus respectivos orçamentos?

Fica difícil para o leigo entender isso. Por que estamos gastando tanto dinheiro na Cultura se ele pode ir para a Saúde, por exemplo? Ou as demais? Prioridade!!!

Há que se entender que os dirigentes devem trabalhar para a população e não o contrário. Mas isto é utopia.

Os exemplos mencionados são de prefeituras pequenas – à exceção de SP e Manaus – mas temos mais de 5.500 prefeituras no país. O que será que descobriríamos se passarmos um “pente-fino” em cada uma delas?

Certamente os Procuradores Gerais dos municípios deveriam ficar envergonhados por esta malversação do dinheiro público, mas o são – ou foram – indicados pelo Poder Executivo e ratificados pelo Poder Legislativo, logo sua interferência sempre deve ser pré-direcionada para a aprovação, infelizmente.

Como lidar com isso? Cuidado nas próximas eleições.

Valter Bernat

Advogado, analista de TI e editor do site.

Advogado, analista de TI e editor do site.

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