O noivo, argentino, 67 anos, magro, óculos que escondem seus olhos muito azuis, cabelos e bigodes tingidos de “negro como a asa da graúna”.
Não tira seu terno preto nem para ir à praia; foi dono de um fusca azul claro, mil novecentos e bolinha, que acabou por não ter mais velocímetro para mostrar sua quilometragem, imagino eu…
A noiva, idade indefinida, mas passada dos sessenta também.
Quando chegamos ao local do casório, o salão de festas do edifício onde mora sua irmã, os convidados já estão por lá: a festa é para poucos, reservada para a família e os muito amigos. Estamos entre estes últimos.
Vamos para o jardim, onde um senhor de chapéu toca violino.
Não vimos a noiva, apenas o noivo, empertigado e feliz com a nossa chegada; afinal, meu marido fora convidado para “dizer algumas palavras” durante a cerimônia que, se tudo tivesse corrido como previsto, teria acontecido em outubro, quando, na véspera do casamento, a noiva pegou Covid!
Eis que surge, no corredor formado entre duas fileiras de bancos, a noiva, toda de branco, um decote enorme, radiante, tiara nos cabelos e, nas mãos, um buquê de flores brancas.
O senhorzinho do violino toca, meu amigo argentino a recebe com um sorriso e, atrás de uma cortina de lampadinhas de led, surge um sujeito de barba, vestindo um enorme coração vermelho, segurando umas folhas de papel, dizendo alto e bom som: “Sou um coração apaixonado!”
Atônitos, o ouvimos relatar coisas como o primeiro beijo, a primeira viagem internacional, fatos pitorescos sobre o casal – rimos, o ambiente descontraído nos contagia e, ao final, o “coração” pede uma salva de palmas para o casal e some no jardim.
Meu marido, então, fala sobre a vida a dois, o que representa “estar juntos”, de fato. Emocionados, os noivos felizes o abraçam com carinho.
E, do nada, o noivo começa a cantar a plenos pulmões: “Estoy enamorado, quiero esta mujer para el resto de mi vida”.
Canta divinamente bem – estudou para ser cantor de ópera e eu não sabia…
Importante lembrar que este casal está junto há mais de vinte anos e a festa teria acontecido em outubro do ano passado. Aí, inverteu-se tudo: primeiro a viagem de núpcias, a lua de mel – afinal, as passagens já estavam compradas!
Ele já tinha sido casado anteriormente; ela, não. Para ela, “casar de papel passado”, como se dizia antigamente, era muito importante.
Bom, chegou o momento finalmente!
Imperdível, absolutamente diferente e, se me tivessem relatado algo semelhante antes de ter tido a experiência, por puro preconceito eu diria: “Tou fora!”. E teria perdido um evento absolutamente único, repleto de amor e totalmente sem frescuras.
Tradutora do inglês, do francês (juramentada), do italiano e do espanhol. Pelas origens, deveria ser também do russo e do alemão. Sou conciliadora no fórum de Pinheiros há mais de 12 anos e ajudo as pessoas a “falarem a mesma língua”, traduzindo o que querem dizer: estranhamente, depois de se separarem ou brigarem, deixam de falar o mesmo idioma… Adoro essa atividade, que me transformou em uma pessoa muito melhor! Curto muito escrever: acho que isso é herança familiar… De resto, para mim, as pessoas sempre valem a pena – só não tenho a menor contemplação com a burrice!