3 de maio de 2024
Colunistas Sylvia Belinky

Despedidas

Estou lendo um livro delicioso, que tem dois volumes alentados como era seu autor: a biografia de Jô Soares.

Ele conta causos e fatos de sua vida, riquíssima de ambos e também porque, na maioria das vezes, ele se refere a pessoas de quem eu ouvia falar, via nas revistas semanais ou mensais – algo que hoje já quase desapareceu com o advento das mídias sociais – bem como na televisão, única tela existente durante a maior parte dos anos de minha vida e que nem por isso deixou de ser interessante…

O engraçado é que as coisas foram desaparecendo ou sendo substituídas e, claramente, devem ter custado o emprego de muita gente. Assino, até o hoje, o Estadão, para que também ele não tenha esse mesmo triste fim, embora isso me pareça apenas um adiamento…

Recentemente, ouvi que cerca de 85.000 profissões deverão desaparecer até 2030 e me parece bem fácil acreditar nisso. Tudo ficou descartável, sem sequer precisar de obsolescência planificada, que, pelo menos, prolongava as nossas despedidas do que quer que fosse, de uma geladeira a uma vitrola!

Tínhamos também coisas que não nos pareciam descartáveis, tais como móveis antigos, tapetes persas, pinturas, tudo feito à mão, “obras de autor”, gente que demorou muito para aprender sua profissão, de um ourives a um tecelão. Essa gente buscava ensinar a seus filhos sua arte – vide os vidros de Murano, cidade da Itália, por exemplo – para que ela não desaparecesse, tão importante e valorizada que era!

Nesse momento, sentimos imensamente a perda de Gal Costa e de Rolando Boldrin, ambos únicos no que faziam.

Será bem mais fácil lembrar de Gal todas as vezes que tocar uma música que ela interpretava, muito mais do que de Boldrin, que teve um papel primordial em manter acesa a verdadeira origem das assim chamadas músicas caipiras ou, como querem muitos hoje, “músicas de raiz” – mostrando a distância abissal existente entre elas e essa gritaria de dor de corno, usualmente em duetos, que tanto sucesso faz atualmente…

Dizia-se que “vão-se os anéis e ficam os dedos” e, se isso acontecesse, seria algo para se comemorar.

Infelizmente, hoje, quer me parecer que, sequer, sobram os dedos: uma pena!

Sylvia Marcia Belinky

Tradutora do inglês, do francês (juramentada), do italiano e do espanhol. Pelas origens, deveria ser também do russo e do alemão. Sou conciliadora no fórum de Pinheiros há mais de 12 anos e ajudo as pessoas a "falarem a mesma língua", traduzindo o que querem dizer: estranhamente, depois de se separarem ou brigarem, deixam de falar o mesmo idioma... Adoro essa atividade, que me transformou em uma pessoa muito melhor! Curto muito escrever: acho que isso é herança familiar... De resto, para mim, as pessoas sempre valem a pena - só não tenho a menor contemplação com a burrice!

Tradutora do inglês, do francês (juramentada), do italiano e do espanhol. Pelas origens, deveria ser também do russo e do alemão. Sou conciliadora no fórum de Pinheiros há mais de 12 anos e ajudo as pessoas a "falarem a mesma língua", traduzindo o que querem dizer: estranhamente, depois de se separarem ou brigarem, deixam de falar o mesmo idioma... Adoro essa atividade, que me transformou em uma pessoa muito melhor! Curto muito escrever: acho que isso é herança familiar... De resto, para mim, as pessoas sempre valem a pena - só não tenho a menor contemplação com a burrice!

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