23 de abril de 2024
Ricardo Noblat

Diálogo ao invés de repressão

carmen_lucia_1Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal
(Foto: Divulgação)

Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), foi rápida no gatilho quando Renan Calheiros (PMDB-AL) chamou de “juizeco” o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília, que autorizara a prisão de quatro agentes da Polícia do Senado e a apreensão de equipamentos de escuta usados por eles em ações de contraespionagem – e, quem sabe? – de espionagem também.
A ministra subiu nas tamancas e respondeu à arenga de Renan: “Todas as vezes que um juiz é agredido, eu e cada um de nós juízes é agredido. E não há a menor necessidade de numa convivência democrática livre e harmônica, haver qualquer tipo de questionamento que não seja nos estreitos limites da constitucionalidade e da legalidade”. Touché!
O gesto de Cármen Lúcia foi um desagravo ao juiz ofendido. Ela recusou-se a participar no dia seguinte de uma reunião convocada pelo presidente Michel Temer para reaproximá-la de Renan.
Os agentes da Polícia do Senado acabaram soltos. E os equipamentos de escuta, confiscados pelo ministro Teori Zavaski sem que a Polícia Federal pudesse examiná-los direito.
Cármen Lúcia, também presidente do Conselho Nacional da Justiça encarregado de zelar pelo comportamento dos juízes, deve outro gesto de desagravo – desta vez à sociedade ou mais especificamente aos pais dos alunos que ocupavam na semana passada o Centro de Ensino Asa Branca de Taguatinga, cidade a menos de 25 quilômetros de distância da imponente sede do STF.
Os alunos protestavam contra a reforma do ensino médio e a emenda à Constituição que congela os gastos públicos por 20 anos.
O juiz Alex Costa de Oliveira, da Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal, autorizou a Polícia Militar a desocupar a escola. Se a polícia tivesse usado para isso os métodos citados pelo juiz em seu despacho, o país teria assistido a um episódio vergonhoso.
Isolamento físico e privação de sono foram técnicas de interrogatório usadas por agências americanas de inteligência no combate ao terrorismo após os ataques de 11 de setembro de 2001. Mais adequado seria chamá-las de tortura.
Pois bem: o juiz Alex Costa sugeriu à Polícia Militar proceder da mesma forma contra adolescentes que mau algum haviam feito à segurança do país.
Segundo o juiz, deveria ser cortado o fornecimento de água e de energia à escola e proibida a entrada de alimentos. Em sua decisão, foi além: “Autorizo, ainda, o uso de instrumentos sonoros contínuos, direcionados ao local da ocupação, para impedir o período de sono.”
A polícia teve a sensatez de desprezar tais recomendações. À chegada dela, os estudantes foram embora sem criar caso.
Em outros Estados, a televisão mostrou a saída pacífica de estudantes ao tomaram conhecimento de ordens judiciais para desocupar escolas.
Houve lugares aonde a polícia chegou a escolas sem ordens de juízes, e o resultado foi o mesmo.
Os estudantes exercem o legítimo direito ao protesto. E o fazem nos locais onde passam o maior tempo dos seus dias. Natural.
Cobra-se dos jovens que se interessem por política. Mas quando o fazem, exige-se que ajam fora do seu universo.
O movimento estudantil sempre foi uma escola para formação de líderes. Se a esquerda o controla, mexa-se a direita.
Só não vale socorrer-se da polícia ou beneficiar-se de decisões estapafúrdias de “juizecos” insanos. Com a palavra, a ministra Cármen Lúcia.
FONTE: BLOG DO NOBLAT

Ricardo Noblat

Jornalista, atualmente colunista de O Globo e do Estadão.

Jornalista, atualmente colunista de O Globo e do Estadão.

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