23 de abril de 2024
Priscila Chapaval

Uma amizade que ficará para sempre. Grazia D.Elvira! Hoje eu te homenageio !

Dona Elvira, una Prima Donna

Numa tarde, há uns anos, conheci D. Elvira. Ela passeava na calçada perto da minha casa com seu cachorro. Já a tinha visto antes passeando e notei que tínhamos o mesmo hábito. Ela passeava com seu border collie preto e branco e eu com a minha vira-latas ou sem raça definida.
Nossos cachorros se aproximaram e logo fizeram amizade. Ricardo – o cão dela – e Liv a minha “vira”. E nos aproximamos também! Aquela senhora com sotaque italiano me cativou pela sua educação, elegância e atitude. Ficamos também amigas, caminhamos juntas com os animais e trocamos telefones . Combinamos de sair juntas com nossos peludos de quatro patas.
Dias depois ela telefonou me convidando para almoçar na sua casa. Poderia levar a Liv comigo que o Ricardo ficaria feliz. Imaginei que seria um almoço ao meio-dia por ela ser bem mais velha do que eu e que logo estaria em casa e no meu escritório onde tinha trabalhos para entregar. Aceitei prontamente o convite, comprei um vaso com flores e fui. E ela morava num casarão onde eu, muitas vezes passava em frente e escutava  pessoas ensaiando canto lírico ao som de um piano bem afinado.
E era ali naquele casarão que ela morava. Fiquei encantada porque sempre tive a curiosidade de ver o que acontecia lá com tanta música no ar!
O almoço, ao contrário que eu achava, não foi ao meio-dia e sim às 13.30 h. Cheguei e ela me abriu a porta com um sorriso de boas vindas. Foi logo me dizendo para me acomodar na sala de visitas onde ela me ofereceu um Cinzano. Cinzano?????? E tinha Martini também!!
Aceitei retribuindo seu sorriso. Ela brindou comigo e vi que ela adorava esse drink visto que tomou vários cálices de Cinzano.
A empregada nesse meio tempo vinha pedir informações para ela se deveria aumentar a temperatura do forno, ou colocar a agua para ferver.
Lá pelas 14.30h fomos para a outra sala almoçar.
A mesa estava impecável. Uma mesa redonda com toalha e guardanapo de linho e vários pratos, copos de cristal e talheres de prata.. E o almoço foi à moda italiana com direito ao primeiro prato, uma massa, o segundo uma carne e a salada no final. Tudo regado a vinhos e água. Nem preciso dizer que foi uma delícia de almoço e por conhecer melhor essa senhora que se chamava Elvira.
Vi pela decoração que a casa tinha muitos objetos lindos de prata ou mesmo de louça que deveriam ser herdados da família. Havia um piano na sala de estar onde fomos depois tomar um vinho do Porto (já quase na hora de passear com os nossos cachorros). Em cima do piano, havia  um quadro pendurado com uma pintura a óleo de uma mulher bem bonita e mais jovem que soube por ela que era um presente de um pintor que fez quando era mais moça. Me contou que era italiana nascida em Nápoles, filha única e que tinha vindo morar no Brasil com um marido italiano logo após a Segunda Guerra Mundial. Logo se separou dele, um homem ciumento e agressivo, e que já  morava no Brasil há mais de 50 anos um país que ela adorava.
Me disse que após o divorcio abriu com muita dificuldade um Conservatório de Música e lá fez muito sucesso. O trabalho preenchia a sua solidão que segundo ela nunca sofreu desse mal. A música era a sua maior companhia bem como seus alunos.
Pensei com meus botões: quero ficar assim quando tiver a idade dela. Ela beirava os noventa anos. Pensei até em ser aluna dela e aprender cantar mas… não tinha esse dom.
Aos poucos fui conhecendo d. Elvira e sua trajetória na Europa e no Brasil.
Passo um pequeno texto que pesquisei na Internet sobre ela
“Ao entrar no palco, ela ouvia dos coristas – os mais difíceis de se conquistar -, em tom reverencial: “Oh, signorina!”, enquanto o aplauso dos músicos, o tac-tac-tac dos arcos em cima das estantes, ressoava na sala. Isso era a consagração, o grande sucesso. E ela os teve durante os 12 anos em que fez carreira como cantora.
Predestinada pelos deuses da música, poucos dias após seu nascimento, em Nápoles, no dia 18 de abril de 1911, seu querido avô paterno, Tito Balderi, fizera uma simpatia que selaria o pacto com eles, enterrara o cordão umbilical que caíra do umbigo da criança. Estava selado seu destino: “ La pupa seria una grande cantante…”.

Atualmente dava aulas de piano e canto aos seus alunos. Com o tempo fui participando das atividades e conversando com seus alunos que eram sua família. Ela não teve filhos e quase todos os parentes na Itália já haviam morrido.
Sua casa era uma festa. Todos os sábados no final da tarde vários alunos se reuniam lá e cantavam árias de óperas e depois iam com ela comer pizza. Isso era um ritual. Esses alunos eram na maioria empresários e alguns cantores líricos que atuavam no Teatro São Pedro ou no Municipal.
E eu que não cantava nada e não tocava nada fui ficando adepta ao grupo. Participava dos saraus e dos amigos dela que ficaram sendo meus amigos também.
D. Elvira cozinhava muito bem. E sua empregada já começava a seguir seus passos na arte culinária. Sempre tinha alguma coisa gostosa que elas faziam, mas o indispensável eram os drinks regados a Cinzano e Martini em taças de cristal lapidado e sempre uma garrafa de um bom vinho. Geralmente eram presentes dos seus alunos amigos.
Através dela comecei a aderir aos drinks e ao vinho, pois se ela com aquela idade tinha toda essa vitalidade e amava a vida, isso deveria ser muito bom.
Aos poucos fui me aprofundando na sua história de vida. Talvez por ser jornalista tinha vontade de entrevistar aquela pessoinha tão linda. Mas resolvi que o tema D.Elvira merecia algumas crônicas, tanto era o material que ia descobrindo.
Me lembro bem de como nos conhecemos através dos nossos cães e do primeiro dia que fui à sua casa almoçar com ela.
“Cantou 12 óperas: Madame Butterfly; Bohème; I Pagliacci; Turandot; Carmen; Un Ballo in Maschera; Guglielmo Tell; O Segredo de Suzana; Serva Padrona; La Traviata; Íris e Ave Maria. Apresentou-se nos melhores palcos da Itália, França, Espanha, Alemanha e Brasil. Cantou com os principais nomes da cena lírica mundial. Foi uma exigente professora de canto, com muito orgulho!”
Aos poucos fui descobrindo que D.Elvira Balderi Crimi foi uma das maiores cantoras líricas. Não que ela se vangloriasse, mas sim pelas pesquisas que fiz na internet muitas após sua morte.
Na Itália e a melhor intérprete da personagem Musetta da ópera La Bohéme; de Puccini bem como a Gueixa de Madame Butterfly também de Puccini. Formada em música e com aperfeiçoamento na Academia de Santa Cecilia ela fez sucesso na Europa e era considerada a melhor soprano da época.
E para não passar fome, me confidenciou tristemente que durante a Segunda Guerra cantava nos jantares e festas que o ditador Mussolini oferecia e ia muito a contragosto. Com isso ajudou muitas famílias a sobreviverem e não morrerem de fome.
E tem mais na próxima semana.
Grazia D.Elvira! La mia amica Prima Donna!
E eu que achava que ela era uma velhinha sozinha e que passeava com o cachorro como tantas que vejo por ai!

Priscila Chapaval

Jornalista... amo publicar colunas sobre meu dia a dia...

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