29 de setembro de 2025
Paulo Polzonoff Jr

Infeliz é o país que para tudo para ouvir Lula discursar na ONU

Lula na ONU: o acontecimento mais importante do dia num país consumido pela política. (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Na padaria, peço o pão na chapa e o café com leite de sempre. “Bom dia”, ofereço ao sujeito ao lado. Mas a mensagem não alcança o destinatário. O Lula vai discursar na ONU. Dali a alguns minutos ainda. Muitos minutos. Mais de hora. Faço cara de então-oquei e sigo com a vida. Tomo café da manhã e saio para o trabalho. “Bom dia”, tento mais uma vez, mas o sujeito está concentrado na pré-análise dos especialistas.

“Será que ele vai provocar o Trump?”, me pergunta um mendigo ali mesmo, à porta da padaria. “Será que ele vai falar das sanções? Será que vai mencionar o Bolsonaro? Será que…?” Tiro a carteira do bolso e estou prestes a lhe dar uma generosa esmola, mas o mendigo volta a rolar a timeline do Twitter. É que o Lula vai discursar. Na ONU.

Mendigo com redes sociais

(Mendigo com celular e acesso a redes sociais? Sim. Por que não? No mais, não sei por que você está perguntando isso. Afinal, o Lula vai discursar na ONU. Não saia daí. É daqui a pouco!).

Dou meia-volta. Ao meu redor, mais mendigos e sujeira e violência e decadência. Há fezes humanas nas ruas. Um carro da polícia passa a toda. Jovens atendentes de telemarketing parcelam o cafezinho no cartão de crédito. Um noia se deita no meio da avenida movimentada. Os carros desviam dele. O sinal fecha. As pessoas apressam o passo, cada qual se perguntando: como será o discurso de Lula na ONU?

Tudo vai ter que esperar

Passo em frente à Farmácia Popular. Fila. Ei, senhora, cuidado o buraco aí! – grito para uma mulher que, se quebrasse o pé, seria levada a um hospital público, pegaria infecção hospitalar e morreria dali a dois dias. (Dramático). Ela nem agradece. O Lula vai discursar na ONU e na lanchonete da esquina as pessoas já estão reunidas em torno de uma televisão: o Lula vai discursar na ONU.

Na escola a professora está ensinando a tabuada. “7×8=58”, ensina ela, pensando que o Lula vai discursar na ONU. O eletricista vai arrumar uma fiação qualquer e leva um choque daqueles. Quase morre! É que o Lula vai discursar na ONU. Escândalo! Naquele mesmo instante, um médico esquece um bisturi dentro do paciente, que fecha com pontos grosseiros e apressados e o motivo você já sabe: Lula vai discursar na ONU.

Infeliz é o país…

Se alguém tem uma denúncia de corrupção a fazer, que não a faça agora! O Lula vai discursar na ONU. Chegou encomenda para o senhor. Bateu aquela fome. Será que é melhor comprar dólar? Uma mulher descobre que será mãe. Acho que desvendei a origem do Universo. Mas tudo isso vai ter que esperar. Porque o Lula vai discursar na ONU e o que quer que ele diga será interpretado como um triunfo pela esquerda e um desastre pela direita.

E os analistas farão previsões pelas quais jamais serão cobrados. Jornalistas dirão bobagens definitivas. As vírgulas serão postas para secar. Alguém mencionará a origem etimológica de uma palavra e outro alguém simplesmente dirá que Lula é um gênio da política, da retórica e da oratória por ter dito isso e aquilo. Onde? No discurso da ONU, é claro. “Infeliz é o país…”, começo, mas logo sou interrompido.

Porque acabou o discurso do Lula na ONU. Agora é a vez de o Trump falar.

Fonte: Gazeta do Povo

Paulo Polzonoff Jr

Jornalista, tradutor e escritor.

Jornalista, tradutor e escritor.

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