28 de março de 2024
Sergio Vaz

A carapuça de Gilmar


Caiu como uma luva. Como o sapatinho de Cinderela.
A carapuça serviu certinho, perfeita, na cabeça do ministro Gilmar Mendes. Como uma luva. Como o sapatinho de cristal da Cinderela. Diante do tuíte da procuradora da República Monique Cheker – “sem contar o que ganham por fora com os companheiros que beneficiam” –, o sempre loquaz ministro da beiçola correu para pedir providências.
E é tão terno o ministro Gilmar, tão doce, tão suave, tão fiel companheiro, que foi logo demonstrando que a carapuça não serviu apenas na sua cabeça, mas também na do seu consorte Dias Toffoli.
Escreveu o conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público, Luiz Fernando Bandeira de Mello, ao pedir apurações – rigorosas, pois não? – sobre o que afinal a procuradora Monique Ckeker estava querendo dizer em seu tuíte:
“O Excelentíssimo Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes encaminhou a este Corregedor Nacional do Ministério Público, na noite do dia 03.07.18 e na manhã do dia 04.07.18, via aplicativo de mensagem instantânea de celular, a publicação que ora é atribuída à Excelentíssima Procuradora da República Monique Cheker, pedindo providências a respeito em nome próprio e em nome do Excelentíssimo Ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli”,
Não é mesmo lindo? Não é enternecedor?
O ministro Gilmar não apenas vestiu a carapuça. Botou-a também na cabecinha do colega do Trio Soltura.
Me pergunto por que ele excluiu o terceiro membro do sonoro conjunto, o ministro Ricardo Lewandowski, aquele amigo particular da família Lula da Silva, aquele que, na hora H, ao final do processo de impeachment, jogou a Constituição no lixo e proclamou que o Poste de Lula não estava – ao contrário do que manda o livrinho, a Lei Maior, que cabe ao STF proteger – inelegível por oito anos.
Aquele que, como Gilmar e Toffoli, sempre solta os amigos.
***
Ah, sim, os amigos.
Eis o que disse a procuradora da República Monique Cheker em seu tuíte:
“Não há limite. Vamos pensar: os caras são vitalícios, nunca serão responsabilizados via STF ou via Congresso e ganharão todos os meses o mesmo subsídio. Sem contar o que ganham por fora com os companheiros que beneficiam. Para que ter vergonha na cara?”
A procuradora não falou o nome de Gilmar. Nem o Toffoli. Nem o de Lewandowski. Não falou o nome de ninguém. Sequer citou Supremo ou STF.
Mas o ministro Gilmar, em nome dele e do parceiro Toffoli, quer saber o que exatamente a dra. Monique Cheker quis dizer dizer. Pediu ao CNMP que conduza rigorosa investigação.
É ridículo. É grotesco. Seria uma sensacional piada – se não fosse trágico.
É bem possível que a dra. Monique Cheker seja punida por ter falado a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade. E o Trio Soltura continuará soltando os amigos, tirando a tornozeleira de réu condenado em segunda instância, e rindo na cara de 210 milhões de brasileiros.
***
Eis a íntegra da reportagem de André de Souza, de O Globo, sobre o caso:
Conselho investigará procuradora que insinuou que ministros do STF ‘ganham por fora’
Pedido foi feito por conselheiro do CNMP e por Gilmar Mendes; procuradora nega
Brasília — O corregedor do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Orlando Rochadel Moreira, determinou nesta quarta-feira a abertura de uma reclamação disciplinar contra a procuradora da República Monique Cheker. O objetivo é apurar uma postagem que ela fez no Twitter, interpretada como uma insinuação de que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) “ganham por fora” para beneficiar “companheiros”. No próprio Twitter, Monique negou que tenha sugerido isso.
“Não há limite. Vamos pensar: os caras são vitalícios, nunca serão responsabilizados via STF ou via Congresso e ganharão todos os meses o mesmo subsídio. Sem contar o que ganham por fora com os companheiros que beneficiam. Para que ter vergonha na cara?”, escreveu a procuradora no Twitter.
Em postagem posterior, ela disse que não fez menção a ministros do STF. Também afirmou que as publicações seguintes sobre o assunto fazem, na verdade, referência a corruptos, e não aos integrantes da corte. O pedido de apuração foi feito pelo conselheiro do CNMP Luiz Fernando Bandeira de Mello. Depois, o próprio Gilmar fez o mesmo, conforme informado pelo corregedor do órgão em seu despacho. Segundo ele, Gilmar fez uma “representação informal”.
“Por outro lado, o Excelentíssimo Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes encaminhou a este Corregedor Nacional do Ministério Público, na noite do dia 03.07.18 e na manhã do dia 04.07.18, via aplicativo de mensagem instantânea de celular, a publicação que ora é atribuída à Excelentíssima Procuradora da República Monique Cheker, pedindo providências a respeito em nome próprio e em nome do Excelentíssimo Ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Tóffoli”, escreveu o corregedor.
Não há prazo para a conclusão da tramitação da reclamação disciplinar. Ao fim da apuração, se não for constatada infração disciplinar, o caso será arquivado. Outra possibilidade, caso as provas não sejam suficientes, é a instauração de uma sindicância. O CNMP também poderá encaminhar uma cópia da reclamação ao órgão disciplinar local, ou seja, a unidade do Ministério Público Federal (MPF) no Rio, onde a procuradora trabalha; ou ainda instaurar um processo administrativo disciplinar (PAD).
Se houver um PAD, será escolhido um conselheiro do CNMP para relatar o caso. No PAD, é assegurado o contraditório a a ampla defesa, com prazo de 90 dias para ser concluído, mas podendo ser prorrogado se houver motivo para isso.
A Corregedoria do Ministério Público Federal (MPF), ligada à Procuradoria-Geral da República (PGR), também tomou conhecimento da publicação de Monique Cheker. Mas a PGR disse que, para não haver duplicidade de investigações, vai esperar o resultado das apurações do CNMP.
Segundo a PGR, a Corregedoria do MPF também tomou conhecimento das manifestações do procurador da República, Deltan Dallagnol, criticando o ministro Dias Toffoli, do STF, relator do processo que deu liberdade a Dirceu e proibiu até mesmo o uso de tornozeleira eletrônica. Sobre esse caso, a PGR informou apenas que, segundo uma decisão recente do CNMP, só é possível abrir um PAD contra integrantes do Ministério Público para apurar eventual abuso da liberdade de expressão quando a representação partir do próprio ofendido.
“Dirceu foi preso p/ cumprir pena qd vigiam cautelares (como tornozeleira) Em seguida, 2ª Turma suspendeu pena contra decisão do STF q permite prisão em 2ª instância Naturalmente, cautelares voltavam a valer Agora, Toffoli cancela cautelares de seu ex-chefe”, escreveu Dallagnol no Twitter na última segunda-feira, numa referência ao fato de Toffoli ter trabalhado na Casa Civil da Presidência da República quando a pasta era chefiada por Dirceu.
Segundo o CNMP, há pelo menos mais um caso ainda em tramitação no órgão que trata de ofensas dirigidas por um integrante do Ministério Público ao STF. Em maio deste ano foi instaurado um PAD para apurar a conduta de uma procuradora de Justiça mineira que fez ataques pelo Twitter aos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello.

O Boletim

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