27 de abril de 2024
Colunistas Mary Zaidan

Bolsonaro confiava no golpe

Discurso do ex no Alvorada tinha ambição dupla: manter os fiéis unidos e convencer os ex-chefes do Exército e Aeronáutica

Dois dias depois de apresentar aos comandantes militares a minuta do golpe, o presidente derrotado Jair Bolsonaro rompeu o silêncio de mais de um mês. “Vamos vencer”, disse à multidão aglomerada em frente ao Palácio da Alvorada. Era 9 de dezembro de 2022. O Brasil acabava de ser eliminado da Copa do Mundo do Qatar, derrotado nos pênaltis pela Croácia, desempenho comemorado por vários “patriotas” de camisa amarela. O pronunciamento do ex, considerado dúbio à época, tinha, agora se sabe, uma ambição dupla: manter a união dos fiéis e convencer os comandantes do Exército e da Aeronáutica que haviam rejeitado a virada de mesa.

“Quem decide meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vai (sic) as Forças Armadas são vocês. Quem decide para onde vai (sic) Câmara e Senado são vocês também”, bradou, depois de 15 minutos em absoluto silêncio ouvindo os gritos de “fica, fica, fica” e “eu autorizo (a intervenção militar)” da turba. Ali, garantiu que faria tudo dentro das “quatro linhas da Constituição” e explicou a demora em agir: “as decisões, quando são exclusivamente nossas, são menos difíceis e menos dolorosas. Mas quando elas passam por outros setores da sociedade são mais difíceis e devem ser trabalhadas.”

Sob as luzes dos depoimentos dos ex-chefes do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Carlos Almeida Baptista Júnior, o discurso de Bolsonaro 48 horas depois do rechaço dos comandantes ao plano de golpe é confissão.

Até àquela data, a conspiração golpista só contava com a anuência do comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, o mesmo que desfilou tanques mambembes pela Esplanada no dia em que o Congresso enterrou o voto impresso. Mas ao falar no gramado da residência presidencial, o ex ainda acreditava na hipótese de atrair as demais Forças. Confiava na pressão de seus seguidores sobre os dois comandantes “traidores”. Centenas deles engrossavam os acampamentos em frente a instalações militares em várias cidades do país.

Na data em que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e seu vice Geraldo Alckmin foram diplomados, apenas três dias após o ex incendiar apoiadores, bolsonaristas enfurecidos atacaram a sede da Polícia Federal de Brasília, atearam fogo em 4 ônibus e 3 carros nas cercanias da rodoviária. Duas semanas depois, uma falha no detonador impediu que explosivos colocados em um caminhão ao lado do aeroporto do Distrito Federal transformasse a véspera do Natal de 2022 em um banho de sangue. Por um triz, Bolsonaro não conseguiu um episódio dramático o suficiente para lançar mão da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que, de acordo com os ex-comandantes militares, era a base “legal” para o golpe.

Fracassada a ação, o calendário seguiu até o fatídico 8 de janeiro, quando Bolsonaro já estava protegido, confortavelmente instalado em Orlando, nos Estados Unidos, longe da tentativa de golpe pela força. Assistiu no sofá à depredação dos prédios do Congresso, do STF e do Planalto – e não deu um pio.

Mesmo com poucos fatos novos – a maior parte do que foi dito já se conhecia pela voz do delator, o ex-ajudante de ordens tenente-coronel Mauro Cid -, os depoimentos do general e do tenente-brigadeiro foram essenciais para alinhavar de vez os acontecimentos.

Bolsonaro, que até pouco tempo dizia desconhecer a tal minuta do golpe, correu para mudar sua versão. Em entrevista exclusiva ao Metrópole, disse que falar sobre o que está na Constituição “não é crime”. E desconversou, afirmando que para decretar Estado de Defesa ou de Sítio seria necessária a aprovação em diversas instâncias, incluindo as presidências da Câmara e do Senado. Lorota pura. Caso tivesse conseguido apoio unânime dos chefes militares e a “motivação legal” para a GLO, as demais medidas de exceção dependeriam apenas de uma canetada. Freire Gomes e Baptista Júnior não lhe forneceram a tinta.

Ainda que possam ser acusados de omissão por não terem denunciado a intentona, na prática os dois comandantes a impediram. O ex-chefe da Aeronáutica chegou a afirmar em seu depoimento à PF que Freire Gomes daria ordem de prisão a Bolsonaro caso ele prosseguisse com a conspirata. As consequências de um ato dessa natureza eram imprevisíveis.

A trama falhou. E, por mais que se tente torturar os fatos, é impossível hoje dizer que Bolsonaro não tenha se metido nela até acima do pescoço. Para nossa sorte, afogou-se.

Fonte: Blog do Noblat

Mary Zaidan

Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.

Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.

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