8 de maio de 2024
Colunistas Ligia Cruz

Tratamento humanizado

Cada vez mais temos ouvido e lido em campanhas de marketing e mídia em geral referirem-se à “atendimento humanizado”, como diferencial  de planos de saúde, médicos, clínicas e hospitais.

Soa tão absurdo que parece que qualquer animal do zoológico vale mais do que nós, até quando somos maltratados.

Não se trata de que, por serem animais não racionais, mereçam tratamento indigno, mas porque nós também não. Nessa linha de raciocínio, hipoteticamente, humanos seriam tratados melhor no pet shop mais próximo de sua residência e com muito mais decência.

Mas o raciocínio é outro e o grau de equivalência desproporcional. No mercado há planos de atendimento médico e hospitalar para todos os bolsos e, quem não se enquadra em nenhum dos patamares, cai na vala comum do SUS – Sistema Único de Saúde, para serem eleitos pacientes.

Mas não é regra geral. Os hospitais públicos, ligados a universidades, são como ilhas de excelência, que absorvem verbas públicas, e são neles que se concentram as principais pesquisas científicas.

O problema é furar a barreira da burocracia para a candidatura de ter seu caso estudado por renomados doutores de fato. ++

Até mesmo para fazer parte de estudos como paciente é uma epopeia. Essa oportunidade é infinitesimalmente aquém das possibilidades. Quando se trata de linhas de pesquisas sobre doenças raras e crônicas então, a pessoa portadora  sente-se como uma agulha no palheiro genético. Há mais material humano, nem sempre identificado, do que pesquisas e pesquisadores disponíveis, com a ressalva de que isso não ocorre só no Brasil. Muitos países, até nos de PIB per capita mais elevados, faltam recursos humanos e financeiros para dar suporte aos estudos, que passam por uma enormidade de etapas, até a conclusão e desenvolvimento de fármacos compatíveis.

Quando nosso balãozinho aterra e temos que encarar a dura realidade, fazemos parte de um sem-número de pessoas tratadas não como sujeitos, mas como objetos do enriquecimento de laboratórios e clínicas e até de médicos que os bajulam ou creem, que o negócio só é lucrativo com as agendas deles.

Isso explica a condescendência de muitos médicos em receber aqueles profissionais com pasta 007, passando na frente de pacientes em apinhadas salas de espera, para deixarem amostras grátis de medicamentos, que eles devem ministrar. No mais, o que vemos na linha de frente de clínicas é um despreparo geral. Ninguém sabe de nada, ninguém fala nada com nada e aquele que deveria ser alvo de cuidados, cai no vão entre a ética e o despreparo.

A questão é que o brasileiro continua achando que reclamar e exigir direitos é barraco. Fizeram-no acreditar que seu silêncio é sinal de classe. Não é não.

Porque temos que aceitar menos do que merecemos em locais de atendimento médico e hospitalar seja no SUS ou na rede de saúde privada? “Atendimento humanizado” é dever, não ferramenta de marketing.

No entanto, prestem atenção como ultimamente se lê isso em todos os lugares. E se aceitamos tratamento desumano de quem quer que seja é porque as coisas vão muito mal e estão nos fazendo acreditar que é normal.

Não podemos aceitar isso. Se continuarmos agindo como não merecedores de respeito é porque já perdemos a dignidade há tempos. 

Por direito, não há uma linha divisória entre humanos e não importa se o paciente é morador de rua ou magnata do petróleo, pelo menos deveria ser assim.

Cada vez que lemos tais afirmações em grupos de conveniados em redes sociais, um calafrio sobe pelo dorso. E se a sensação parar no peito, é porque você está próximo de ter um infarte e não vai adiantar de nada engolir a raiva.

Certa vez, em um atendimento de emergência no pronto-socorro de um hospital de convênio, ouvi uma médica me dizer que eu “tinha acabado de estragar a relação entre médico e. paciente”, após eu manifestar meu desagrado e esperar por horas e com dor, a solução para o sumiço do meu prontuário. A linda me perguntou se eu “estava bem”, risonha e saltitante, por cumprir o bordão dos bancos da faculdade. Respondi que “estava ótima e resolvi passar a madrugada no hospital só para que me perguntassem isso”.

O ódio visível em seu rosto não foi pior do que a minha dor. Sorte dela que que na hora me esqueci de todos os palavrões que conheço. Sou capaz de reconhecê-la na rua caso a visse, por sua soberba n@zistóide. A infeliz me internou rapidinho, após o prontuário “aparecer”.

Só por essa experiência entendo o que quer dizer “o tal tratamento humanizado” de que tanto falam.

O brasileiro é tão surrado e humilhado e tolera tanto desrespeito, que aceita, de cabeça baixa, as grosserias e achaques dos empoderados do jaleco branco. Essas pérolas da ignorância, infelizmente fazem parte das nossas vidas porque mantemos uma relação de subserviência em relação àqueles de quem dependemos.

Essa reputação deveria ser simplesmente abolida junto a médicos e instituições de saúde. Não se pode admitir que qualquer pessoa passe por constrangimentos e maus tratos quando mais necessita de apoio.

Infelizmente, o Brasil é um país onde ainda se vê mulheres parindo na porta de hospitais, idosos esquecidos em macas em seus corredores e crianças chorando todas as suas lágrimas até secarem. Isso tem que acabar.

Quando lermos ou ouvirmos esse absurdo de “tratamento humanizado” temos que reagir, nos indignar e exigir que não usem esse tipo de jargão para nos atrair.

Médicos não são semideuses!;

Não aceitem maus-tratos, reclamem na entidade onde atuam, se não forem ouvidos, formalizem queixa na ANS (Agência Nacional de Saúde). Só assim aprenderão que o tal tratamento humanizado é obrigação. Ou você é uma cacatua?

Ligia Maria Cruz

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

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