28 de abril de 2024
Colunistas Ligia Cruz

Os vices

Quem liga para o vice? Quase ninguém, mesmo sabendo que a segunda peça do comando de um governo pode tornar-se importante de um momento para o outro. E a história tem exemplos de muitos personagens que assumiram o posto e tornaram-se os líderes principais por inúmeras razões.

Eles foram oito: Floriano Peixoto, Nilo Peçanha, Café Filho, Nereu Ramos João Goulart, José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer.

Na República Velha, o primeiro presidente, Deodoro da Fonseca, “renunciou” para que Floriano Peixoto,  seu vice, o “marechal de ferro” assumisse. Na verdade, o Mal. Deodoro foi um dos militares republicanos golpistas que tinham como missão a expulsão da coroa portuguesa do Brasil e seu representante,  D. Pedro II. Na época, os vice-presidentes também eram eleitos por votação em candidaturas independentes.

O pleito também era complicado. Os votos não eram secretos para que as traições não ocorressem na esfera do poder. Todos declaravam suas preferências para depois  defendê-las.

Nilo Peçanha foi eleito presidente em 1906.  Em meio ao mandato ele morreu subitamente abrindo frente para seu vice, Afonso Pena. Esse período da história foi marcado pela transição  do império para a política das oligarquias.

No período de 1918/1919 o vice-presidente Delfim Moreira assumiu o comando do país por sete meses, após o presidente Rodrigues Alves falecer ao contrair a gripe espanhola.

Outro momento bastante turbulento da política brasileira foi a era Vargas, em especial, na sua última fase.

Devido à grande instabilidade política e econômica no início dos anos 1954, com alta inflação e déficit na balança comercial Getúlio Vargas suicidou-se. Ele completou sua biografia onde figurou como defensor do regime presidencialista, déspota e tirano nazista. Sob seu comando muitas atrocidades foram cometidas.

Em seu lugar assumiu o vice Café Filho que já dava sinais de saúde frágil. Se afastou para  tratamento de problemas cardíacos,  deixando o encargo para o presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz. Com a caneta na mão, o vice-presidente indicou o general Álvaro Fiuza de Castro para assumir o lugar do Mal. Henrique Lott, então ministro de Guerra.

Com essa ameaça sobre si e para evitar um golpe dos opositores,  Lott dá o que ficou conhecido na história como “golpe preventivo”, para garantir a sucessão do futuro presidente Juscelino Kubitschek.

Provavelmente, esse ato poderia ter mudado o rumo da história se Lott não tivesse reagido e, mesmo com a volta de última hora de Café Filho. Mas já fora empossado como presidente o catarinense Nereu Ramos, então presidente do senado, que permaneceu na presidência da república por apenas 21 dias.

Assim, nas eleições de 1955, JK assumiu o comando do país para período de 1956/1961. Como não havia reeleição na época, o mais liberal dos presidentes passa o bastão ao sucessor Jânio Quadros, com João Goulart novamente como vice-presidente.

Os episódios que se seguiram resumiram em sete meses a presença de Jânio na liderança da república.

Alegando estar sob a pressão de “forças ocultas” — fato que nunca explicou –, em 25 de agosto de 1961 o presidente eleito renunciou ao cargo e elegeu automaticamente seu sucessor João Goulart, vice por duas candidaturas.

O cenário mundial era o ápice da guerra fria  com muitas histórias de espionagem e embargos políticos e econômicos quando João Goulart assumiu. Mesmo assim, conseguiu manter-se na presidência de 1961 a 1964, quando ocorreu o golpe militar dos generais no país. Nesse período não houve eleições e nem liberdades democráticas. Os governadores dos estados eram biônicos, todos indicados pelo núcleo do poder.

Antes da redemocratização do país na década de 1980, os personagens que não partiram para o exílio fizeram a resistência política.

Após os “anos de  chumbo”, como ficou conhecido o período militar, Tancredo Neves lançou-se à presidência da república, tendo como vice-presidente José  Sarney. Foi o tempo das “Diretas já”, do fim do bipartidarismo e do AI-5.

Tancredo ganhou as primeiras eleições democráticas de 1984,  mas não assumiu devido a um grave problema de saúde. Em 21 de abril de 1985, com um pouco mais de um mês de internação o presidente eleito morreu.

José Sarney  iniciou um período  que os brasileiros querem esquecer, com inflação elevadíssima  descontrole das contas públicas  e dos preços dos alimentos. Filas e mais filas para comprar itens básicos. Desse vice, ninguém que viveu esse tempo, quer lembrar.

O próximo vice-presidente que assumiu a nação foi Itamar Franco, devido ao impeachment sofrido por Fernando Collor, em meados de seu mandato, em 1992.

O pior feito da república, entre tantos, foi o confisco da poupança e das contas dos brasileiros, um absurdo sem precedentes que faliu empresas, acabou com empregos e comprometeu a sobrevivência das famílias. Os processos de restituição de juros e correção monetária permanecem travados pelos bancos até hoje.

Seu mandato foi resumido em dois anos. Quando já estava com o seu processo de impeachment avançado,  Collor renunciou.

Novamente um vice entrou em cena,  em 2016, quando Michel Temer assumiu o comando, após a  presidente Dilma Rousseff sofrer impeachment do seu segundo mandato por praticar as tais “pedaladas” fiscais.

O último vice

Foto: Google Imagens – Poder 360

Na última eleição presidencial de 2022, Geraldo Alckmin,  o  26° vice-presidente do Brasil assumirá o posto com a promessa de fazer o meio de campo entre as duas vertentes políticas mais destacadas do país, a esquerda com suas inúmeras tendências e a ala mais conservadora e liberal, também com seus diferentes matizes.

O mais relevante dessa virada surpreendente e estranha é que Alckmin foi recentemente defenestrado do PSDB, partido que sempre deu sustentação aos governos petistas. Ele sempre defendeu a bandeira e os valores dos tucanos, desde 1988, quando conquistou  um posto como deputado federal.  

Antes do término do mandato parlamentar,  Alckmin já estava cotado para disputar como vice-governador do estado de São Paulo, na chapa de Mário Covas.

 Em 1998, Covas licenciou-se para tratar um tumor na bexiga e, na sequência, preparou-se para reeleição como governador da capital paulista,  no período de 1995-2001.

A dupla deu certo e a parceria  se prolongou por mais um mandato no governo paulista.  Só que, em 2001, após lutar contra um câncer agressivo, Mário  Covas faleceu e o vice-governador Geraldo Alckmin assumiu como governador. Depois reelegeu-se como governador, para o período de 2011/2018.

O tucanato “permitiu” que, nas candidaturas prévias à presidente deste ano, João Dória, então governador de São Paulo – o pior dos últimos anos,– fosse o nome indicado, para representar o partido nessas últimas eleições.  

O ex-governador sentiu a estocada no peito, depois de perder  candidaturas para presidente, nas prévias do partido para Aécio Neves, em 2006, e,  em 2018, como candidato do PSDB. Neste último pleito ele recebeu apenas 5% dos votos gerais, aumentando ainda mais os desgastes no ninho tucano.

O próprio afilhado político, João Doria, a quem apoiou em candidaturas para prefeito e depois para governador de São Paulo, o traiu candidatando-se à sua revelia nas prévias do PSDB, como favorito para presidente. Esse fato foi a gota que transbordou o copo de mágoas de Alckmin, em relação  aos caciques peessedebistas.

Em 2021, após 33 anos de militância tucana  o ex-governador deixou o partido para outra sigla.

Após sacramentar uma dobradinha  com Luis Inácio L. da Silva nas últimas eleições para presidente, de 2022, o interiorano de Pindamonhangaba, Alckmin, tem a missão de amarrar as pontas de uma verdadeira colcha de retalhos, após uma eleição para lá de suspeita, que metade do país questiona.

Resta saber se este vice vai se sair tão bem nessa costura e continuar sua missão diplomática de unir tantos desiguais. A resposta está no imponderável.

Ligia Maria Cruz

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

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