4 de maio de 2024
Colunistas Ligia Cruz

O último voo de Prigozhyn

O mundo todo está se perguntando se Yevgeny Prigozhin estaria mesmo no avião que se estrelou em solo, matando os 10 ocupantes a bordo.

Outra dúvida, é a de que o fato seria apenas uma escaramuça para fazer parecer uma vingança forjada por Vladimir Putin, para com aquele que ele “fez” e o traiu diante do mundo. Para que ele pudesse “desaparecer”, sem deixar rastros.

Qual seria a versão verdadeira afinal? Prigozhyn gozava de certas regalias e figurava no elenco de oligarcas russos, protegidos pelo ditador. Isso todo mundo sabia.

Havia até mesmo uma piada de que ele seria o “chefe de Putin”, tamanha era próxima a relação entre ambos e isso divertia o presidente. Podia até mesmo se ver um esgar na face metálica do comandante quando diziam isso.

Justamente essa proximidade entre ambos reforça a tese de que Putin mandou mesmo derrubar o Embraer Legacy, do chefe de tropas mercenárias, como exemplo de seu poder sobre qualquer um.

O que fortalece essa possibilidade é o conhecido traço de caráter do ditador: ele não tolera traição. Essa é a única certeza, já declarada por ele mesmo, em uma entrevista a uma TV internacional. É o preço que se paga por acumular tanto poder e imaginar-se imbatível, tanto de um lado como do outro.

Prigozhin gozava do respeito de Putin, desde que ele respeitasse suas determinações. E ele sabia disso. Apesar do livre trânsito no Kremlin, o oligarca tinha uma agenda a ser cumprida, como comandante das tropas mercenárias do Grupo Wagner.

A legislação russa proíbe que governo mantenha qualquer relação com paramilitares ou combatentes que não pertençam às forças armadas do país. Entretanto, em todas as batalhas de interesse dos russos, o Grupo Wagner sempre esteve lá, como na Síria, Geórgia e demais países que lutam pela independência e em países da África . Foi fundamental na retomada da Crimeia e estava fazendo o serviço sujo também agora no Donbas, na Ucrânia.

O déspota russo “deixava” Prigozhyn atuar na África, com a desculpa de proteger as jazidas de ouro, diamantes e pedras preciosas em diversos países. Na verdade, proteger de outros países europeus, também interessados e metidos por lá para extrair as riquezas e deixar na miséria os povos locais.

O ex-chefe do Grupo Wagner investia na força de suas tropas. Os soldados ganhavam bem e tinham treinamento de táticas de guerra. E, diferente do que se imagina, o recrutamento de soldados paramilitares não era feito nos bastidores, mas abertamente, nas ruas das cidades russas. Óbvio que isso sempre causou problemas porque os mercenários sempre tiveram mais prestígio e ganhos do que os oficiais do exército do país. Os jovens sempre estiveram disponíveis para atender a um possível “chamado” do comando mercenário. Agora não se sabe qual será o destino deles.

O fato é que Prigozhin começou a divergir publicamente do presidente russo, com relação às batalhas travadas na Ucrânia. Até que, munido de coragem e astúcia tentou derrubar Putin.

Ele conhecia bem os pecados do ditador, desde quando atuava como fornecedor de refeições prontas para o Kremlin. Ele enriqueceu e, certamente, se esqueceu com quem estava lidando.

Devido à proximidade e amizade entre o criador e sua criatura, diz-se que, após a tentativa de golpe, Putin não se opôs que ele se exilasse na Bielorrússia, país amigo do Kremlin.

O próprio Prigozhyn achou que Putin estaria apenas “magoado” com sua traição, então continuou com suas atividades, como se nada tivesse acontecido. No máximo, deveria tomar cuidado com as conhecidas poções venenosas, destinadas a eliminar aqueles que se insurgem contra o ex-chefe da KGB.

Pelo visto, Putin reservou para seu fiel amigo um destino um pouco mais sofisticado, como abater sua aeronave, dentro do espaço aéreo russo. Na sequência, prendeu o número 3 do Grupo Wagner, já que o 2, também estava na aeronave abatida. O Grupo Wagner ficou acéfalo.

A ação foi coordenada e o oligarca teve o fim dos seus dias de convivência com um dos mais frios ditadores do mundo.

O fatídico voo do Legacy mergulhou no céu russo, para a paz de Vladimir Putin. Doente e cada vez mais só, tudo indica que ele terá que enfrentar seus próprios demônios algum dia. O poder é solitário. Será que ele chorou? Ainda que tenha sido de raiva?

Ligia Maria Cruz

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

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