Os meios de comunicação mostraram há pouco tempo o manifesto de uma mulher, então moradora de rua no Largo do Paissandu, no centro de São Paulo, a respeito de suas convicções em matéria de moradia. Despejada, junto com outros moradores, do edifício público que haviam invadido ali na praça, e que acabara de desabar depois de um incêndio, ela decidira ficar acampada em frente à ruína. “Só saio daqui com a chave da minha casa na mão”, declarou. O desabamento, na sua opinião, lhe deu o direito de ganhar uma casa “do governo” ─ e ela não estava disposta a sair por aí procurando um outro lugar para morar quando tinha certeza de que a autoridade pública lhe devia a propriedade de um imóvel residencial. Sua reivindicação foi tratada como a coisa mais normal do mundo. Não ocorreu a ninguém que “o governo” não tem dinheiro para lhe “dar” nada ─ nem casa e nem coisa nenhuma. Só a população pode pagar essa e qualquer outra despesa feita em nome do público, pois só ela trabalha, produz e ganha o dinheiro que o governo lhe arranca e, basicamente, gasta para sustentar a si mesmo. Chave de casa? Esqueça.
Eis aí uma curta e clara ilustração do tumulto mental a que foi reduzida a “questão social” neste país. Aqui se grita cada vez mais alto em favor da igualdade ─ e aqui se faz cada vez mais o contrário de tudo o que poderia tornar as pessoas menos desiguais entre si. A mulher sem casa no meio da rua é um monumento à desigualdade. Ela não é desigual em relação aos ricos ou aos cidadãos das classes médias. É desigual em relação à maioria dos brasileiros que mora debaixo de um teto, em moradias com 50 diferentes tons de pobreza. Não haverá esperança para ela, e para todos os que vivem no mesmo abismo, enquanto praticamente todas as forças que influem no Brasil insistirem em impor a ideia de que a “igualdade” e os “direitos iguais” para todos são “prioridades”. Em sua maneira de ver o mundo, a igualdade tem de ser obtida já, por votação de leis, cobrança de mais impostos e atuação do governo ─ e não, segundo exigem as realidades da vida, como consequência da criação de riquezas, de um avanço revolucionário na educação e na multiplicação das oportunidades. A única coisa que se consegue por este caminho é ter uma quantidade cada vez maior de leis mandando os cidadãos serem iguais ─ e, ao mesmo tempo, dificuldades cada vez mais perversas para a liberdade de produzir e gerar progresso. Resultado: em vez de ficar mais perto, a igualdade fica mais longe.
Circula atualmente nas redes sociais um vídeo muito interessante a este respeito. Nele, o autor de uma palestra para um grupo de jovens nos Estados Unidos diz que hoje em dia a essência da moral, tanto nas ideias como nas ações da vida pública, é a pregação da igualdade entre todos. Para isso, segundo os evangelistas deste credo, tudo vale ─ sua recomendação principal para eliminar as desigualdades, aliás, é cometer atos de violência contra os que estão acima de você. São os que têm mais talento, mais habilidade, mais inteligência. São as pessoas que criam, que brilham, que têm sucesso. No fundo, são as que mais contribuem para o conjunto da sociedade ─ e, em consequência dos seus méritos, obtêm muito mais riqueza, prestígio e conforto que os demais. A visão predominante, no mundo intelectual e político de hoje, é que tal situação é uma injustiça que tornará inviável a sobrevivência das sociedades. O maior dever atual que um cidadão pode ter na vida, assim, é exigir a diminuição da distância entre “os que têm” e “os que não têm”. Têm ou não têm o quê? Qualquer coisa. Basta que alguém tenha mais que a maioria. Pronto: está criada a desigualdade e ela tem de ser eliminada.
O palestrante, para ilustrar o seu ponto de vista, cita então o maior astro do basquetebol americano e mundial do momento, LeBron James ─ e diz que, pela moral vigente, e para se respeitar a igualdade, ele teria o direito de entrar numa quadra de basquete com LeBron e exigir chances iguais de vitória numa partida entre os dois. Como? Obviamente, ele não teria condições de fazer um único ponto contra o campeão. Também não pode aprender nada de basquete. A solução para haver uma disputa igual seria quebrar as duas pernas de LeBron, e possivelmente também um braço ─ isso sim, seria fazer justiça. Engraçado, não é mesmo? Pois acontece todos os dias. Como não podem quebrar de verdade as pernas dos que estão acima, socam impostos neles, cada vez mais. É assim que pretendem criar igualdade para a mulher do Largo do Paissandu.”
José Roberto Guzzo, mais conhecido como J.R. Guzzo, é um jornalista brasileiro, colunista dos jornais O Estado de São Paulo, Gazeta do Povo e da Revista Oeste, publicação da qual integra também o conselho editorial.
José Roberto Guzzo, mais conhecido como J.R. Guzzo, é um jornalista brasileiro, colunista dos jornais O Estado de São Paulo, Gazeta do Povo e da Revista Oeste, publicação da qual integra também o conselho editorial.
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