5 de dezembro de 2024
Colunistas Joseph Agamol

Quando vim morar no interior de São Paulo…

(Toda vez que começo um texto assim uma vozinha interior gozadora começa a cantar aquela música da Gabriela: “quando eu vim para este mundo/ eu não atinava em nada/ hoje eu sou Gabriela/ Gabriela êêê… meus camaradas…” É inevitável: aposto que você cantou junto! Errei?).
Então. Quando vim morar no interior (fica quieta aê, Gal Costa!) eu sofri uma nova forma de preconceito.
Sim, nova, eu, que já fui discriminado por ser grande demais (as pessoas olham para mim e acham que sou só mais um grandão feioso descerebrado, quando sou só um grandão feioso), tatuado demais, por ler demais, por não beber, por ser nerd, enfim, um monte de pequenos preconceitos juntos, fui discriminado por ser… carioca! Juro.
Perdi ao menos um emprego por conta disso: enviei currículos, fui chamado para entrevista, tive o currículo super elogiado, a entrevistadora deitou falação, explicou sobre a escola em que eu iria lecionar, minhas futuras turmas, meu horário… E foi aí que pediu para eu falar.
Eu juro que tentei evitar palavras como “esqueci”, “isqueiro” e “esquina”, mas, nas primeiras frases, chiando mais que uma panela de pressão, até o olhar da dona mudou. A entrevista, que parecia que ia se prolongar por mais uma meia hora, terminou abrupta e friamente. Não fui contratado. Óbvio. As coisas são o que são. Não lamento. Discriminar alguém seja lá pelo que for é burrice – e não aconselho a convivência com pessoas estúpidas, sob risco de estupidificarmos também.
Foi então que percebi que cariocas são alvo de um maldoso e muitas vezes cruel estereótipo: somos vistos como malandros, vice-campeões brasileiros no quesito “preguiça”, desbocados e apreciadores da sofisticada forma de música conhecida como “funk”.
Eu, que não sou nada disso, e de carioca típico mesmo só tenho a paixão pelo Flamengo, pela feijoada e pelo café preto forte (aqui em SP cismam de chamar uma beberagem aguada e xôxa de “café carioca”: tenho trabalhado duro para desmistificar essa bobagem), resolvi transformar-me em um soldado contra essa visão deturpada e aproveito cada chance para mostrar que cariocas não são nada disso, gente, somos gente fina, elegante e sincera!, como dizia o Lulu.
(Ok: admito que alguns cariocas têm tendência para a féla-da-pootisse, mas também não é assim como se TODOS os cariocas se cumprimentassem com uma versão malévola de Namastê: “o féla que habita em mim saúda o baita féla que habita em você”, não é assim, vai)
Todo esse rame-rame é para dizer que hoje eu percebi que mais algumas pessoas, silenciosamente, desamigaram virtualmente de mim. Normal. Se fosse minha versão de alguns anos atrás, até eu mesmo mudaria de calçada virtual para me evitar virtualmente. Respeito.
Mas essas pessoas desamigaram de mim apenas por eu ser eleitor do Bolseiro.
Isso apesar de eu tentar, a cada dia aqui nessa indústria vital, desfazer os grosseiros e equivocadíssimos estereótipos atribuídos a quem votou no Bonossauro. Mais ou menos como tento fazer sobre minha carioquice congênita.
(Aposto que alguns não sabiam disso e vão desamigar agora, quer apostar?!)
Joseph Agamol

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

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Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

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