As noites eram mais suaves: sem sustos, só o lume das estrelas silenciosas, a não competir com o brilho de neon que não existia. Havia papel de pão, e poemas escritos, e números de telefone deixados. Serragem era jogada no chão dos bares. E víamos os tresnoitados a levar garrafas de leite e jornais para casa.
Crianças chutavam bolas de meia e faziam barquinhos de papel esperando as chuvas de pingos grossos – dizia-se que eram chuvas de perfume, tão bom o cheiro. Algaravias de pardais em amendoeiras nas manhãs. O padeiro passando de bicicleta nas ruas, oferecendo pães-doces de creme. A receita? Perdeu-se. Amendoeiras rareiam e pardais, de tão poucos, não fazem mais algaravias. Sussurram, talvez com saudade dos dias de glória.
Imagens gravadas nas retinas: depositar as fichas de plástico coloridas na catraca dos ônibus. As fichas cinzentas dos orelhões. Passar a noite em claro nas festas juninas – que eram mesmo em junho. Ouvir música analógica em rádios de pilha e vitrolas. O ruído de estática nas tvs quando encerravam a programação. Hoje nada encerra: 24 horas exaustas no ar.
Nas ruas podia-se topar com Tons, Joões, Sinatras, Clarices e McCartneys. Enfiavam-se as mãos nos bolsos e saía-se assobiando uma canção: “Here Comes the Sun”, ou “Águas de Março”, ou “Burning Love”, tanto faz. Hoje os bolsos não comportam mais mãos e as canções que se fazem são inassobiáveis.
E, em meio ao redemoinho do Tempo, Georgia Hamilton nos observa, em 1953, quando tudo ainda era elegante.
Professor e historiador como profissão – mas um cara que escreve com (o) paixão.