Uma certa rede de drogarias aqui em SP parece especializada em falta de noção, viu? Você vai comprar uma coisa e te oferecem outras, das mais disparatadas. Olhem só.
– oi. Quero um Red Bull.
– ah, claro! O senhor tem cadastro na loja?
(Nessas horas, tenho sempre um déja vu de quando fui comprar água e esqueci o CPF. Mas que cabeça a minha, quem é que não leva o CPF para comprar uma garrafa de água?)
– Olha, minha mulher tem mas não precisa, eu tô atrasado…
E apontei para relógio como para enfatizar a pressa. O Mickey do mostrador gritou, alegremente:“São 10 horas! Bom dia!”
(Sim, eu tenho um relógio com o Mickey e ele fala. Batemos papo, às vezes).
Em vão. A atendente me olhou chocada.
– “mas o senhor vai perder o desconto! Olha só, o Red Bull vai sair de 7,99 por… “dexovê aqui”… ih, tá sem sistema, pera, eu vejo na outra máquina!”
Eu, aflito, começo a me sentir um personagem de Kafka, um Joseph K. perseguido pelas redes de farmácia. A atendente volta, triunfal.
– então… com o cadastro, o Red Bull vai sair de 7,99 por… com desconto… 7,65!!!
Com a exiguidade do desconto, eu até esqueço a pressa, e brado, escandalizado:
– mas que desconto mixuruca, 35 centavos, que história é essa?
– então… se o senhor levar dez latas o desconto sobe para… deixa eu ver ali na outra máquina…
Eu me arrependo imediatamente de ter me indignado com a mixaria do desconto e tento implorar para que ela não vá – em vão, porque ela já foi. Levou quase CINCO MINUTOS.
– então… levando dez latas o desconto sobe para UM REAL.
E enfatiza o último ponto, como se eu fosse uma criança bem pequena que precisasse ser doutrinada sobre um ponto particularmente obscuro da lição de casa.
– moça, eu não costumo beber Red Bull, eu só tô com um pouco de sono, o que eu vou fazer com dez latas?
Foi perguntar e ME ARREPENDER na hora, porque ela começa uma longa explicação sobre os benefícios da cafeína para a concentração. Eu grasno:
– dona, não, por favor, só um Red Bull mesmo. UM!
Ela me olha com ar reprovador, como se fosse uma professora, e eu um guri ranhento pego colando. Mas me dá o Red Bull, que ergo triunfante como Bellini ergueu a Jules Rimet em 58. Derreteram ela, que droga.
Pensa que acabou? O melhor está para começar, como aquela velha canção de Guilherme Arantes, tema da novela Sol de Verão.
(Nem sei porque lembrei disso agora, as sinapses do meu cérebro estão cada vez mais loucas, como as Frenéticas em 78. Aí, mais uma, tá vendo?)
Eu troto até o caixa, embalando a lata de Red Bull como se fosse um gatinho perdido. Entrego à caixa. Ela registra. E pergunta:
– o senhor não quer aproveitar e levar uma caixa de lenços demaquilantes? Estão na promoção!
Eu levo alguns segundos para entender. Coaxo:
– dona, eu nem sei o que são lenços demaquilantes! É só o Red Bull mesmo, por favor.
– ahhhh… e supositório de glicerina? Precisa?
O resto vocês vão ver nos sites sensacionalistas amanhã.
Professor e historiador como profissão – mas um cara que escreve com (o) paixão.