Estava escuro, ainda. Tinha chovido. Pequenas manchas de óleo espraiavam-se nas poças. Fazia algum frio? Fazia.
Eu caminhei pela rua adormecida. Do sol nem sinal. Eu cheguei em frente ao portão. Entrei em minha antiga casa.
A vitrola incrustada em um móvel: havia um disco no prato. Segurei-o. Uma antiga banda brasileira que cantava em inglês, “Os Prótons”.
Era quase dezembro. A árvore montada. Os enfeites frágeis de vidro colorido. O algodão simulando neve.
A padaria começou a funcionar. Breve o cheiro de pão. Senti fome. CCPL, Plus Vita. Marcas do que se foi.
O adesivo “STP” colado na janela.
O som do jornal atirado no quintal da casa vizinha. O vendedor de vassouras. A TV branca, numa enxurrada de estática.
Meus gibis espalhados. Meu time de futebol de botão. Minhas canetas Sylvapen. No Jornal dos Sports, convocação para o clássico de domingo. Vídeo-tape completo depois.
Procurei minha antiga cama. Eu estava lá. Dormia.
Sem saber do meu Eu desperto, eu rezava, silencioso, pelo meu sonho.
Sem saber que o futuro me reservaria ser a aspereza da adaga que voa.
E a pedra de amolar do punhal que corta.
Professor e historiador como profissão – mas um cara que escreve com (o) paixão.