Uma mocinha sorridente e simpática me atendeu.
– oi, posso ajudar?
– pode, moça. Eu gostaria de estampar uma camisa.
– qual tamanho o senhor gostaria?
– M.
Ela franziu levemente a testa, sem deixar de sorrir. O sorriso dela começava a me incomodar. Era grande demais. DENTES demais. Parecia a droga de um aligator usando jeans e camiseta das Meninas Superpoderosas.
– M? Mas você é grande! Tem o quê? Um e noventa?
– 1,85m, moça, mas não gosto de camisa largona, tipo funkeiro, não. Pode ser M mesmo.
– tá. E qual seria a estampa?
– do Loola. Vocês tem estampa do Loola?
O sorriso dela se ampliou. Se é que isso era possível. O sorriso se alargou tanto que tive um sincero receio. Uma imagem me veio à mente, aquela boca se abrindo cada vez mais, até todos os dentes de jacaré-do-papo-amarelo começarem a cair no balcão. Sacudi a cabeça para afastar a visão.
– que legal! Temos vários modelos! O senhor gostaria de ver?
– não precisa. Se você quiser, escolha um para mim, um que apareça bem a carantonha dele.
Ao som da palavra “carantonha”, que ela provavelmente desconhecia, mas que imaginava que não significava coisa boa, o sorriso bruxuleou um pouco. Só um pouco. Ela mostrou uma série de imagens em um notebook.
Escolhi uma na qual ele exibia uma expressão quase beatífica, pura e inocente – vocês me perdoem ficar escrevendo “ele” toda hora, mas sinto uma certa gastura diante do nome do dito cujo. Hoje eu entendo o que os personagens de Harry Potter sentiam ao ouvir o nome de Voldemort.
A moça voltou a sorrir, o crocodilo-do-Nilo de alargador nas orelhas.
– essa tá linda! Quais os dizeres o senhor deseja colocar?
– “Loola é o c…” – mandei, de supetão.
O queixo dela caiu como o do Pernalonga nos desenhos antigos. Hoje não, o Pernalonga virou um chato wokie. Mas o Pernalonga das antigas atirava com trabuco, se vestia de muié, chutava o traseiro do Hortelino e espancava o Patolino. Hoje, se bobear, pede desculpas à cenoura antes de comer.
– mas… mas… o senhor NÃO PODE usar uma camisa assim! – grasnou o alligator de tiara cor de rosa.
– e por que, não, ora essa é boa?! Qual o valor?
Ela respondeu com frieza. O sorriso sumiu. Mas os dentes estavam lá. Os dentes. Sinto calafrios só de lembrar.
– R$100,00.
Agradeci a atenção e desisti. Por enquanto.
Posso até não fazer a camiseta – achei caro.
Mas a diversão… ah, essa não tem preço.
Professor e historiador como profissão – mas um cara que escreve com (o) paixão.