Tive um chefe, na época em que trabalhei em call-center de pagers.(Parênteses rápidos: “pagers” eram aparelhinhos que nós, neandertais, usávamos para combinar a próxima caça ao mamute. Funcionava assim: o proprietário do aparelhinho ligava para um call-center, um operador atendia e digitava a mensagem para outro neandertal com aparelhinho similar.
Eu era um dos caras que atendia, digitava, enviava a mensagem e – voilà! – um mamute lanoso era abatido!) que dizia que só promovia gente bonita.
Assim, na cara dura. Muitos se revoltavam, mas eram outros tempos. Eu ficava quieto, afinal, havia sido promovido e emprego era difícil, viu?
Eu entendo meu antigo chefe. Sou um entusiasta da Beleza, em todas as suas formas, arquitetura, pintura, gentes lindas, embora muitas vezes prefira admirar, assim, respeitosamente e à distância, como se admira, sei lá, um tigre das neves.
Estou em boa companhia: sir Scruton era assim também.
Feita essa mini-ode à Beleza, quero falar da mulher bonitinha. Aquela que, se não foi agraciada com traços de Audrey, Ava ou Margot Robbie, difere e atrai justamente por diferir.
Eu também amo o diferente, o exótico, o sui generis, o inusual, o inaudito: pode ser um olhinho estrábico, um óculos de nerd, um dentinho proeminente, um narizinho um pouco acima da média, ou pés, muito bonitos, muito pequenos ou grandes, sei lá. A dissonância me chama atenção tanto quanto o conjunto que forma um todo harmônico.
Tudo isso me passou pela cabeça assim, num átimo, hoje, ao sair para correr e ver uma mulher de cabelos longos, óculos, camisa masculina xadrez, deitada na grama do parque, alheia à quase tudo, na mais bela posição que uma mulher pode estar, um livro aberto e os pés ao alto, e que, ao me ver passar, apenas ergueu os olhos, baixou-os novamente ao livro, e flexionou os dedos dos pés, com a graça com que um tigre da neve faria.
E a deixei, com seus pés com arcos profundos e incrivelmente belos, em sua leitura, em meio à mata.
A moça bonitinha.
(foto da net, meramente ilustrativa)
Professor e historiador como profissão – mas um cara que escreve com (o) paixão.