Chegamos oficialmente aos dez mil mortos. Luto nacional. Sabemos que esse número não expressa a realidade. As pessoas que conhecem o sistema brasileiro apostam numa subnotificação. A parte do país que quer negar a importância da pandemia acha que os números estão inflados
O mesmo acontece nos EUA onde morreram 75 mil até agora. O presidente nega tanto a gravidade da pandemia que queria fazer um churrasco hoje no Palácio.
A repercussão negativa foi grande. Ele disse que não haveria churrasco, era apenas uma fake news na qual os jornalistas acreditaram porque são idiotas.
Estou entre esses idiotas e critiquei o churrasco. Sou tão idiota que sei que o churrasco seria feito para atenuar a tristeza de um ministro, provocada por uma tragédia doméstica. Não vou mencionar o ministro nem a natureza da tragédia. Apenas para lembrar que não existe bobo, depois de 60 anos de profissão.
Fiquei impressionado com a entrevista da Regina Duarte na CNN. Muitos falam que enlouqueceu. Não a conheço, nem a vi na televisão. Sou analfabeto em novelas e sempre me perco quando as pessoas falam nos seus personagens.
No meu entender, ela estava representando um papel de secretária da cultura de um governo de extrema direita. Disse apenas aquilo que poderia fortalecê-la no cargo. Seu antecessor caiu por reproduzir um discurso nazista atribuído a Goebbels.
Disse na televisão que embora não conhecesse Regina sabia que ela iria pertencer a uma engrenagem que nada tem a ver com a cultura.
Goebels era um pensador da propaganda e não da cultura.
Governos de extrema direita, assim como o de extrema esquerda, reduzem a cultura a uma defesa de seu programa político, negando a riqueza que a palavra encerra.
Regina está incumbida de levar a guerra cultural. Este é o lema de Bolsonaro. Guerra e cultura nem sempre se harmonizam. Goya foi um grande pintor porque entre outras coisas mostrou os horrores da guerra. Picasso tornou-se mais conhecido no mundo porque pintou Guernica, um testemunho da trágica guerra civil espanhola
Umberto Eco afirma com razão que por baixo de um regime e sua ideologia existem uma série de hábitos culturais, uma nebulosa de instintos obscuros e paixões insondáveis.
Regina apenas tentou navegar nessas paixões para ficar bem com o regime. É o que me parece.
Hoje sábado, bolsonaristas voltaram a ocupar a esplanada em Brasilia para protestar contra o Supremo e o Congresso. Roberto Jeferson, um novo defensor do governo, aparece com um fuzil na mão, em postagem no mesmo dia , dizendo que está pronto para combater o comunismo, a tirania e os vendilhões da pátria.
Num texto anterior, aconselhou Bolsonaro a fechar a TV Globo e demitir os onze ministros do STF.
Roberto Jeferson é especialista em governos decadentes. Eu o conheci quando defendia Collor. Serviu ao PT, quase emplacou a filha no governo Temer, e agora tirou um fuzil do armário para se adaptar à nova e belicosa corte.
Para quem viveu tantos anos, as coisas parecem se repetir tediosamente no Brasil. Só que agora num contexto que nunca vi: uma sucessão de mortes provocadas pelo coronavírus.
Fonte: Blog do Gabeira
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