Às vezes o mundo político no Brasil cansa um pouco. Você tem vontade de fazer como alguns maridos de antigamente: ir comprar um cigarro na esquina e desaparecer por alguns anos.
Mas já não se fuma mais. E a pandemia acabou com a esquinas disponíveis.
Por isso, tiro algumas horas do dia para dar uma sumida e me ocupar de coisas que possam me enriquecer. Nem sempre é literatura. Muitas vezes, entretanto, é nos livros que encontro algum refúgio, algo que me acompanha desde a infância.
Gosto dos debates com o embaixador Marcos Azambuja que sempre acha um título de Samuel Beckett para nos inspirar: Esperando Godot, Dias Felizes.
Recentemente lí uma longa exegese de Dias Felizes e descobri que o título foi inspirado numa canção dos anos 20: Happy Days are here again, de Jack Yellen e Milton Ager.
Apesar de inesgotável, Beckett é um velho conhecido de seus textos, a biografia e da coleção de cartas publicadas depois de sua morte.
Daí a necessidade de buscar novas amizades. Tenho em casa as obras de completas de Jorge Luis Borges e nunca me aventurei a conhecê-lo pessoalmente, apesar de tão citado.
Creio que talvez um certo preconceito político tenha me afastado dele. Com a pandemia, isso desapareceu. A vida é muito curta para alimentar preconceitos.
Acabo de ler um belo ensaio de Borges sobre o tango. É também uma viagem pela alma dos argentinos e algo que vai muito além de interpretação sexual do tango. Ele fala de festa e luta e conclui achando uma espécie de religião do valor de cada homem comum.
Antes de chegar aí, li a obra poética que também me fascinou pela qualidade dos versos. Inclusive, do poema Mortes de Buenos Ayres, selecionei um curto trecho que ressoa nesse momento tão difícil de pandemia:
As trapaças da morte – suja como o nascimento do homem -/continuam multiplicando teu subsolo e assim recrutas/teu cortiço de almas, tua guerrilha clandestina de ossos/que caem no fundo de tua noite, tão enterrada/ quanto as profundezas do mar.
Foi um belo sábado no Rio. A previsão do tempo indica sol até domingo que vem. Não acredito. É muito boa notícia, se soubermos usar o bom tempo.
Houve uma queda de 52 por cento das mortes por coronavírus no Rio. Isso não significa que se possa baixar a guarda. Alguns especialistas atribuem esta queda ao uso das máscaras e a disponibilidade de leitos nos hospitais.
Minha sensação pessoal, não sou especialista, é de que as atividades ao ar livre, em dias de sol, não são tão perigosas. Desde que se tomem as precauções, uso de máscara, distanciamento social, lavagem constante das mãos.
Se pudesse voltar ao princípio, creio que lutaria pelo uso de máscaras desde o primeiro momento. E talvez liberasse o banho de sol e exercício ao livre um pouco antes, com todo o cuidado.
Mas agora a quarentena já não é mais a mesma, já é possível se olhar no espelho e ver um velho conhecido e não o estranho dos primeiros meses.
Fonte: Blog do Gabeira