8 de maio de 2024
Colunistas Fernando Fabbrini

Velha e boa experiência

Questões sobre o profissional que está se graduando.

Foto: Hélvio

Um médico, especializado num tipo de delicada cirurgia, sempre fez questão de realizá-la assessorado por certa enfermeira, profissional extraordinária de sua confiança. Com ela, tudo ia bem; a integração médico-assistente era perfeita. Um dia, ouviu de sua competente parceira:

– Doutor, aprendi tanto vendo o senhor trabalhar! Acho que até eu faria essas cirurgias.

O médico agradeceu o elogio:

– Acho que faria, sim. Mas… desde que corresse tudo bem, né? Porque, se desse problema, minha cara, você teria que resolver e aprender, em minutos, tudo o que estudei e pratiquei em 50 anos…

Com a chegada da informática tempos atrás, um amigo engenheiro calculista sofreu os diabos com novos concorrentes que ofereciam preços “econômicos”. Computadores resolviam “tudo”; sua ampla experiência sujando as botinas nos canteiros de obras não era valorizada. Agora, conserta burrices alheias e elabora laudos após desastres por erros de cálculo, uso incorreto ou economia assassina de materiais, besteiras que alguns continuam fazendo apesar dos fantásticos recursos da TI.

Stockton Rush, do submarino implodido, recusou-se a contratar “homens brancos veteranos”; só queria na equipe “jovens inspirados”. Que incluísse “trainees” no grupo, tudo bem; a moçada é sempre bem-vinda e necessária. Porém, esnobar os conhecimentos acumulados de técnicos experientes pode ter sido o erro que causou a tragédia.

Em línguas estrangeiras, os riscos da pouca prática são baixos e às vezes curiosos. Num aeroporto da Flórida, um mergulhador esportivo brasileiro declarou ao policial que, além de tubos e cilindros, levava na bagagem uma “bomb” (em vez de “pump”). Ui! Perdido na tradução, acharam que fosse terrorista. Depois soltaram-no, após muita chateação e burocracia.

Desses casos vem a questão central: a importância do tempo gasto na qualificação das pessoas. O tempo tem inimigas traiçoeiras: a pressa e a aparência. Coisas “rápidas”, “fáceis”, “legais”, “lúdicas” ou “top” no mundo de hoje são iscas perfeitas para a geração mal acostumada pelos pais a enfrentar problemas e que acha possível resolver tudo no Google. A coisa fica séria e preocupante no universo dos profissionais que lidam diretamente com a vida; jovens que novas faculdades vêm diplomando a rodo.

“Aluno” era aquele principiante humilde, consciente de sua santa ignorância, porém entusiasmado, ávido por aprender. Virou “cliente” – ilustre e intocável protagonista seduzido e fidelizado pelo marketing; alguém a ser paparicado com mimos, promoções e atrações do cardápio acadêmico. Comerciais de algumas faculdades parecem convites para convívios felizes de alguns anos em companhia de professores amigões e compreensivos.

Mestres capazes e exigentes, apertos, reprovações, esforços, noites de sono perdidas nos livros? Que nada: pague boletos em dia e garanta animação constante, convites de formatura geniais e cerimônia final espetacular – aquele show de grosserias, palhaçadas e gritarias da moda. É seguro confiar na perícia dessa geração que está saindo das escolas? O Fies ajuda o estudante ou só enche os cofres das faculdades privadas?

O Brasil acaba de bater um recorde mundial de cair o queixo: inaugurou sua 641ª faculdade de odontologia. Para simples comparação populacional e territorial, nessa especialidade o Canadá tem dez escolas, e os Estados Unidos, 71. Só falta um curso online para dentistas, já pensou? Não seria estranho no país de um presidente que se gaba de nunca ter lido um livro; nas universidades onde se gasta mais tempo com militância festiva do que com estudo. E onde a educação e a cultura viraram asneiras cozidas em tempero demagógico e servidas em porções generosas de populismo.

Fonte: O Tempo

Fernando Fabbrini

Escritor e colunista de O TEMPO

Escritor e colunista de O TEMPO

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