15 de maio de 2024
Colunistas Fernando Fabbrini

O Ivan não viu

A China virou um Estado policialesco e modelo de tiranias.

Vocês viram? O músico Ivan Lins postou uma cena do passeio da gigantesca comitiva brasileira à China no momento em que o controverso senhor de idade provecta era saudado por crianças ao som de uma de suas canções. A música, de 1980, fala de um “novo tempo” – versos impregnados de eufemismos e frases de efeito.

Batida e rebatida, a expressão “novo tempo” aparece com frequência em slogans de prefeituras por aí. Trata-se do epítome do vazio; da ausência descarada de propostas sérias; da continuidade da hipocrisia que marca a nossa política. Quando o candidato eleito vê mais uma oportunidade para roubar, enrolar, apaniguar protegidos e iludir o eleitor, chama um publicitário e mete o chavão “um novo tempo” na logomarca. Portanto, tempos enganosos assim não devem ser levados a sério.

É compreensível que o músico, há muito ausente das paradas, tenha direito a um arroubo de vaidade ao ouvir sua obra ressuscitada após décadas. E, talvez de olho na grana fácil da Rouanet revivida, não perdeu a chance de bajular o Luiz Inácio e sua plateia. Entretanto, seduzido pela moda da lacração, o compositor, sempre inspirado no amor, na liberdade e na natureza, passou um pano de fina seda sobre a tenebrosa realidade do regime comunista chinês.

A chamada “revolução cultural” teve um impacto tão violento que colegas dele – músicos e demais artistas – são obrigados até hoje a dirigir sua criatividade somente àquilo que o partidão onipotente determina, permite e financia. As tradições e a riquíssima cultura milenar da China foram pro ralo, substituídas pela nova ordem imposta na marra.

Na música, Ivan cita “a gente se encontra/ cantando na praça/ fazendo pirraça”. Xi! Será que ele esqueceu que os chineses são impedidos de participar de manifestações públicas? E que quem faz pirraça na praça some rapidinho? Que a China aprisiona mais de 1 milhão de dissidentes políticos ou religiosos em cárceres denominados “centros de treinamento vocacional”? Que lá, desde 1949, só existe um partido e que é proibida qualquer crítica a ele? Que a China fumegante, sozinha, polui mais o mundo que a Europa inteira?

Em outro trecho afirma que “apesar dos castigos/ de toda fadiga/ de toda injustiça/ estamos na briga”. Retidos em casa, aos chineses nem é permitido brigar ou protestar pela internet. Ela é controlada pelo implacável sistema que bloqueia sites, pesquisas, transmissões e conteúdos – como Twitter, Google, Facebook, Wikipédia e até YouTube, onde os fãs do Ivan e dos demais cantores podem curtir músicas.

O governo chinês mandou instalar milhões de câmeras com reconhecimento facial. Câmeras nas ruas, nas praças e nos prédios lembram a odiosa figura do “Grande Irmão” de George Orwell. Na China, o supremo irmão se chama Xi Jinping, comanda tudo – o Estado, o partido e o Exército – e aprovou uma lei que o mantém no cargo indefinidamente. O homem de sorriso plastificado que acompanha Luiz Inácio na caminhada de boas-vindas investe cada vez mais no aperfeiçoamento da tecnologia de repressão que faz da China um Estado policial assustadoramente perfeito.

Então, Ivan, que “novo tempo”, nada; que bobagem. É a mesma velha e encarquilhada ideologia – mentirosa, malévola, violenta e repressora que destruiu nações e assassinou milhões – tentando, de novo, se passar por bonitinha e moderninha. Felizmente, não engana mais ninguém – exceto os desinformados e a garotada da classe média brasileira que usa bonés do MST.

Fonte: O Tempo

Fernando Fabbrini

Escritor e colunista de O TEMPO

Escritor e colunista de O TEMPO

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